O QUE FAZER COM AS MAGOAS QUE HABITAM NO CORAÇÃO...?

 p. Daniel Héctor Della Valle Cauci


Uma vez, em uma comunidade indígena, uma criança pequena perguntou a seu pai, porque existiam homens maus na terra, sendo que era tão bom viver em paz e em harmonia.

O pai então, tentando lhe explicar de forma simples, contou que todos os homens possuem em seu coração, dois lobos.

Um deles, gentil, cuidadoso com suas crias, sempre atento a segurança da sua alcateia e sempre disposto para trazer comida para o sustento dos seus semelhantes. O outro lobo, no entanto, egoísta, não se importa com ninguém a não ser com ele mesmo. Caça solo para seu sustento e abandona a seus irmãos lobos assim que surge o menor perigo.

O pequeno não entendeu muito bem… e perguntou: “…, mas, porque os homens são bons ou são maus?”

O pai respondeu: “Ser bom ou ser mau, dependerá de a qual dos dois lobos, o homem alimentará no seu coração”

Esta pequena e conhecida história, expõe o estrago que a dor, as mágoas, e os maus sentimentos provocam no nosso íntimo. E nos mostra uma outra coisa, que é a capacidade que todos temos de escolher como é que nutrimos nossas emoções, como é que permitimos que elas cresçam até perder sua proporção sustentável ou lhe outorgamos um espaço apropriado, sem perder de vista o essencial e a relação certa e equilibrada que estas, as emoções, devem manter com a sabedoria.


Sim… as emoções tão sobrevalorizadas como sendo características humanas, romantizadas como virtudes e como uma das coisas que fazem a vida ter sentido, são maravilhosas e revitalizantes, mas, só quando elas estão em equilíbrio, ou quando fazem parte de um movimento concordante dentre outras qualidades humanas, como a polidez, a sinceridade, a bondade e o senso de justiça, sempre amparadas na sabedoria.


Mencionemos também que sentimentos como o ódio ou a raiva não necessitam ser explicados, e são reconhecidamente nefastos para a nossa saúde física e afetiva, mas o sentimento de amor pode também nos conduzir à doença quando é mal compreendido, como acontece corriqueiramente.


Mas porque dizemos tudo isto?


Como tudo nos relacionamentos humanos, nada pode ser classificado simploriamente. Cada relacionamento é único e carregado de histórias, de características irrepetíveis… Cada relacionamento gera um leque de emoções, de sentimentos, de reações específicas...


Em todas e em cada uma das etapas da nossa construção psíquica, assim como da forma em que interagimos com o meio e com as pessoas ao nosso redor, as emoções, não só estão presentes, se não que agem como protagonistas na função perceptiva e interpretativa dos estímulos internos e externos, selecionam e categorizam memórias, influenciam em momentos cruciais, na hora de tomar decisões ou de fazer escolhas, podem sustentar ou prejudicar nosso desempenho na regulação das habilidades sociais e favorecer ou inviabilizar a comunicação, processo essencial para fazer parte equilibrada de qualquer um dos sistemas aos que pertençamos. Demais está dizer como influenciam na nossa identidade, no nosso autoconceito e na nossa autopercepção, no caminho do autoconhecimento, além claro, de fazer parte da etiologia de praticamente qualquer doença ou desequilíbrio físico, mental ou sistêmico. 


Sobre as emoções, temos que agregar, que a mente emocional é mais veloz que a mente racional e bem mais “descuidada”, como nos diz Daniel Goleman no seu celebrado livro “A inteligência emocional”. A mente emocional se aciona automaticamente e não para em nenhum momento a sopesar suas ações. Não reflexiona, não analisa. Isto, mais que provavelmente está relacionado ao tema da nossa evolução e até à seleção natural, pois as respostas emocionais em milésimas de segundo, irreflexivas, foram determinantes para a subsistência nos primórdios da humanidade, e pode ser que por esse motivo, os impulsos emocionais e as ações que desencadeiam, surgem sempre com uma sensação de certeza que as tornam quase que inevitáveis, apesar de que pouco tempo depois pensemos... “mas, porque é que fiz isto? ...como nos diz Goleman, sendo este um sinal mais que evidente do despertar tardio da mente racional.


Mas tanto as emoções como a suas origens, longe estão de serem devidamente definidas. Devidamente compreendidas. E não é a intenção, nem temos a capacidade de analisar esse tópico.


Tomando um atalho, podemos observar que emoções “boas” ou que são corretamente nutridas, produzirão efeitos e consequências positivas, em tanto que as emoções “ruins” ou mal alimentadas terão efeitos, e por tanto consequências que poderemos chamar de negativas. 

Ainda que sistemicamente não seja o correto essa diferenciação entre emoções boas ou más, mas, nos ajuda nesta reflexão.  


As mágoas, que podemos definir como uma sensação dolorosa causada por uma decepção, por uma ofensa ou indelicadeza; por um ressentimento, é uma emoção um tanto desconcertante, na medida em que na sua origem, existe uma ação que nos atinge com maior força, porque não é esperada nem aparentemente merecida. No entanto, a nossa reação emocional, a mágoa, irrompe automaticamente da nossa própria construção, absolutamente tingida de elementos emocionais, como consequência das experiencias que já tivemos, sendo fiel a um sistema de crenças apreendido e à sombra de toda uma bagagem sistêmica que a maior parte das vezes desconhecemos, e, geralmente, não é proporcional nem existe como uma reação direta à ofensa em questão.

Este padrão da “mágoa”, está presente em alguns dos meus consulentes e geralmente se dissipa depois de poder olhar com serenidade e sinceridade à origem da mesma, e ver que aquela decepção se origina mais nas nossas próprias expetativas que nas ações que nos afligiram; perdem força, quando meus consulentes podem observar que as ofensas ou indelicadezas podem ter origens compreensíveis nas adversidades, nuances e circunstâncias da vida de quem nos ofendeu, e não em nós, sem deixar de perceber, que dentro dos sistemas familiares, bem podemos estar ou ser parte da origem, ainda que inconscientemente, dos sentimentos e percepções de quem nos ofendeu


Por outra parte, as emoções desmedidas, exageradas ou desequilibrantes, nem sempre serão um obstáculo para a felicidade ou para o bom viver. Nem sempre serão um obstáculo ou um problema. E assim, as mágoas, nem sempre serão pesados lastres que atrapalhem a nossa vitalidade, os comportamentos nem a saúde.


Uma forma de abordar de forma eficiente esta questão, de o que fazer com as mágoas do coração, e tentar compreender que tipo de reações ou não-reações estas emoções nos provocam. 


Para nós, consteladores, existem quatro tipos de emoções: primarias, secundárias, sistêmicas e as metaemoções, ou metasentimentos.


Sentimentos primários são os que estimulam a ação, são simples e resolutivos, ajudam impulsionando para a construção de soluções... são as emoções que se experimentam sem fechar os olhos... que desencadeiam reações que resultam ser proativas. Entanto que as emoções secundárias consomem a energia, imobilizam, geram inercia e sentimentos de autopiedade ou autopunição. Nós deixam sem ação e se experimentam maioritariamente de olhos fechados. Nestas emoções, a energia que deveria ser dirigida a estimular mudanças, se perde ou dissolve numa atitude de insegurança e de fraqueza que pode existir no estado de ego criança


As emoções sistêmicas, são emoções tiradas do contexto e responsabilidade dos indivíduos, quando a pessoa toma como seu um sentimento alheio. E nestes casos por mais que provoquem respostas primarias ou secundárias, nossas tentativas de modificar a situação costumam falhar. Nestes casos empatia ou solidariedade podem nos conduzir a situações bem mais complicadas.


As metaemoções ou metasentimentos são uma categoria de sentimentos que são pura energia, destituídos de emoções. Podemos citar como exemplos destes metasentimentos, a coragem, o assentimento, o amor superior, puro, a serenidade, etc.


Se podemos distinguir a mágoa, como sentimento primário ou secundário, saberemos se essa emoção nos conduz através da energia da vida às soluções e modificações comportamentais necessárias ou nos suspende na inercia e na ineficácia, arrastando situações que a consciência de grupo nos impõe, como condição para sairmos dos emaranhamentos nos quais estamos imersos.


Se contextualizamos sistemicamente a mágoa, veremos que não fica limitada às pessoas diretamente involucradas no desentendimento que a provoca. Mas, com certeza, a mágoa em geral não se origina no outro. Possui uma origem muito anterior, em sistemas de crenças ultrapassados, na má comunicação, nas tarefas sistêmicas não assumidas ou no mal hábito de sairmos do nosso lugar, procurando aliviar culpas ou galgar sentimentos de inocência ou de superioridade.


Se podemos ver sua origem e o tipo de reação que nos provoca, a mágoa, em última instancia, é um problema só nosso, na medida em que quem magoa, pode ir embora, entanto que a mágoa fica, e então corresponderá somente a cada um de nós, achar um caminho para compreender e solucionar essa, “A” nossa mágoa.   

 

 

Um forte abraço a todos nossos amigos

Muita luz

Até breve


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