O QUE ACONTECE SE TRANSGREDIMOS AS LEIS SISTÊMICAS?

p. Daniel Héctor Della Valle Cauci


Veja bem.

Quando falamos de Constelações Familiares, da filosofia de Bert Hellinger ou da visão sistêmica da vida, estamos falando de coisas diferentes, mas, mesmo assim, a gente compreende que se trata de uma forma de ver a vida e de agir nela, com o intuito de ser pessoas melhores, de ser agentes positivos de mudanças e soluções para todos, de ser possível.

Não se trata de um apostolado nem de uma missão de vida pela qual abandonamos tudo. Longe está de ser uma religião ou um projeto esotérico.

A filosofia de Bert Hellinger é uma filosofia.

A visão sistêmica da vida é a forma de ver a vida através dos conceitos da teoria geral dos sistemas e por extensão, dentro das Constelações Familiares, a forma em que experimentamos a vida através da filosofia de Bert Hellinger.

E as constelações familiares são a aplicação de tudo isto, na tarefa de expor a quem queira e possa ver, a quem estiver disposto a perceber, como é que surgem desde ás mais variadas interações, conflitos e dinâmicas de relacionamento, situações que nos confundem e emaranham, as vezes, pelo caminho de achar que estamos certos, outras, tendo a noção de estarmos errados, gerando desequilíbrios e doenças que esperarão obrigatoriamente até ser resolvidos.

Segundo esta filosofia, o que não devemos fazer é transgredir as leis sistêmicas, e, as leis sistêmicas são extremadamente simples.

Apesar de que há muitas leituras que forçam e retorcem o significado destas leis, não há nada de misógino, ni de fanatismo, ni de nenhum tipo de segregação ou fundamentalismo por trás delas. O que existe sim é uma leitura errada e a maior parte das vezes, uma clara e reacionária má vontade de criticar sem tentar saber o que realmente significa todo isso.

As leis: pertencimento, ordem e equilíbrio são quase autoexplicativas, e de tão simples, para muitos não parece coerente que sejam a base de uma ciência dos relacionamentos. É que, mais uma vez, a má vontade se ergue sobre a boa vontade, e se isola uma parte da filosofia de Bert Hellinger do resto do arcabouço teórico prático que sustenta a sua simplicidade.

Evidentemente, pode ser que esta filosofia e sua aplicação terapêutica, o mesmo sua aplicação no campo da conciliação, não sejam as melhores. Mas são uma ferramenta clara e real, indubitavelmente eficiente pelo seu histórico, que se propõe como uma proposta que visa observar e achar soluções. E não outra coisa.

A aplicação desta filosofia é tanto prática como aplicável somente acima dos fatos, do que já existe como desordem ou desequilíbrio. Não tenta explicar o porquê dos fatos, nem achar culpados ou responsáveis, nem privilegiar a uns e condenar aos outros.

Não tenta manter no lugar de vítima às vítimas e no lugar de agressores aos agressores, pois fazê-lo, teria o mesmo resultado que dividir, que separar o ruim do bom, o certo do errado, onde já não existem as soluções para todos. Seria uma forma de deixar tudo como está.

O que a aplicação desta filosofia pretende é viabilizar a vida dando dignidade às vítimas e a possibilidade de assumir suas responsabilidades aos agressores, devolvendo o equilíbrio a todo o sistema familiar, independentemente das consequências da ação da justiça através da lei dos homens. Essa é tarefa do direito e da justiça.   

Porém… o que é que acontece se transgredimos as leis sistêmicas?

Que tipo de castigo divino teremos que suportar?

Qual será o custo da nossa ou das nossas transgressões?

Bem.

O custo das transgressões às leis sistêmicas é similar ás consequências negativas da aplicação da lei de causa e efeito, pois se realizamos uma ação, do jeito que for, sempre existirá uma consequência. Fazendo coisas apropriadas, geraremos consequências apropriadas, e, praticando ações que não sejam apropriadas e que de alguma forma obstruam o livre fluir da vida, a causa e efeito nos diz que existirão consequências ruins ou algum tipo de conflito que necessitará, em geral e para retomar o fluxo salutar da vida, de soluções.

Uma outra forma de expressar esta lei, é que a semeadura é opcional, entanto que a colheita é obrigatória.

Mas fora das interpretações propostas pelo budismo ou pelo kardecismo, podemos analisar as consequências de transgredir leis sistêmicas, baixo da ótica da causalidade simples, como a relação entre dois eventos consecutivos, sendo o segundo evento uma consequência do primeiro. Este análise é simples e verdadeiro e até pode ser suficiente.

Porém, se tratando de relacionamentos humanos, as nuances de cada caso podem provocar inexatitudes nesse análise.

Em termos de causa e efeito, uma causa poderia provocar uma cascata de efeitos difíceis de assimilar, inclusive deixando para atrás e estática a causa, como algo pontual e inalterado... Um agressor, através da sua ação prejudica sua vítima, gerando consequências na vítima. É aí a causa e seu efeito. Mas também gerará consequências em si mesmo. Também a causa se modifica pela sua própria ação.

Essas consequências poderão trazer arrependimento, dúvidas ou até a afirmação dos seus comportamentos agressivos no indivíduo que causou, e assim, cabe a possibilidade de que modifique sua atitude de agressor em relação à vítima.  Isto por sua vez, pode ser observado por outras pessoas, que podem emular, condenar ou até apreender do comportamento tanto do agressor como da vítima, agindo como novas consequências e até como novas causas... é por isso que falamos da causalidade circular positiva ou negativa, e não só e simplesmente de causa e efeito.

Como se pode ver, o buraco e mais embaixo!

A transgressão das leis sistêmicas não é o fim do mundo.

Salvo alguns casos que podem ser identificáveis, transgredimos simplesmente por não estarmos preparados, ou por fazer aquilo que achamos é o melhor dentro das nossas possibilidades e circunstancias.

Nas constelações familiares fazemos questão de que os consulentes observem com humildade e sinceridade suas ações, assim como suas participações em eventos que geraram emaranhamentos ou conflitos. Só assim poderão observar que acima do passado, acima do feito, do sentido ou do dito, sempre existe a possibilidade de reconhecer e de ressignificar, através dos insights de autopercepção e do novo que surge no seu processo de autoconhecimento, tudo o que aconteceu e da forma em que aconteceu, reconhecendo suas transgressões, mas, pelos fatos serem observados, percebidos, assentidos e transformados no íntimo de cada ser, a necessidade de carregar culpas, responsabilidades e até a necessidade de sacrifícios compensatórios, deixa de existir.

Só essa nova forma de observar ás causas, pode nos harmonizar com os efeitos, trazendo no presente uma forma de solução coletiva, sistêmica, e na qual todos terão a oportunidade de se recolher ao melhor de si mesmo.

Quem não possa ou não queira, estará no seu direito, e seguirá a lei de causa e efeito ou de causalidade circular. Como solemos dizer... a vida segue.

Mas, transgredir as leis sistêmicas não é um pecado como algumas vezes podemos mal entender nos workshops de constelação. Pode trazer consequências terríveis... sim! Mas, lembramos que, como consteladores, procuramos soluções através da reinclusão e do restabelecimento positivo das condições sistêmicas, para a consecução dos objetivos principais dos sistemas em questão. 

Se pode dizer que o que acontece quando transgredimos as leis sistêmicas de pertencimento, ordem e equilíbrio, é que se gera um desordem e a consequente necessidade de solucionar esse desordem.

De alguma forma, nas constelações familiares, observamos que ficamos atrelados a esse processo, e o sentimos como um peso extra na nossas vidas, como uma perda de força, de iniciativa, de felicidade e de êxito, que estão aí para nos fazer evidente o desordem e a necessidade de agir na sua solução.

Dependendo do conflito ou emaranhamento gerado, e das condições e circunstancias do grupo familiar, alguns desordens podem até gerar consequências menores que, aos poucos se diluem no tempo. Outros emaranhamentos maiores ultrapassam gerações (na prática, em geral mais de sete) e ficam naturalmente no passado. É quando observamos que o passado deve ficar no passado.

No entanto, outros emaranhamentos, replicam-se por gerações até que alguém, dentro do grupo familiar ou do grupo de pertencimento em questão, participe de uma solução sistêmica para aquele conflito original. Quanto mais se demora, mas consequências existirão, pelas caraterísticas da causalidade circular que antes mencionamos.

Por outra parte, a transgressão das leis sistêmicas, acontece até por uma forma de amor, ou pela necessidade de sentirmos bem com a nossa consciência. E é por isso que sempre necessitamos estar atentos e com a mente aberta, agindo dentro da inteligência sistêmica. Sempre que isto seja possível. Pois como se diz, a gente apreende dos erros, da transgressão a aquilo que deveria ser, e olhando as coisas desse jeito, a transgressão às leis sistêmicas é uma forma de aprender a viver.

É interessante observar que sempre que seja possível, o importante é ter em conta o nosso papel na vida, o nosso lugar de pertencimento e as leis sistêmicas... e, ao mesmo tempo, saber que mais que nos punir pelas possíveis transgressões, é a ponderação, a percepção e a ressignificação através das quais poderemos participar positivamente das verdadeiras soluções.

 

Muita luz a todos

Um forte abraço

Até breve.

  

 

 

 

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