O custo do certo e do errado nas nossas vidas…

 p. Daniel H Della Valle Cauci

É fácil e rápido, para qualquer um de nós, definir o que está certo e o que está errado.

Existem uma série de parâmetros e convencionalismos sociais que ajudam a estabelecer o certo e o errado, além claro, dos nossos critérios pessoais, a estrutura ético-moral que rege na nossa personalidade e do contexto, no qual a nossa vida está inserida.

No entanto, “certo ou errado” é uma dicotomia que pode chegar a nos confundir (pelo menos um pouco).

Porque... sim, existem coisas que estão certas e outras que estão erradas.

Chegar em hora ao trabalho ou a escola, está certo... Uma conta matemática pode estar errada...

Mas, a certeza da afirmação de que algo está certo ou errado é relativa, dependendo do contexto e de outras circunstâncias. A utilização corriqueira desta dicotomia, nos faz pensar que alguma coisa ou situação só pode estar certa ou só pode estar errada. E é essa radicalização que realmente pode nos confundir.

A ideia de algo ou alguém estar "completamente certo" ou "completamente errado" é muitas vezes uma simplificação excessiva da realidade, pois, na maioria dos casos, as situações são mais complexas do que nos imaginamos, e, por tanto, possuem muitas variáveis, nem sempre, facilmente perceptíveis.

Dentro da filosofia sistêmica não se faz nenhum análise na base do “certo ou errado”, sendo que a abordagem de toda situação é fenomenológica, fora de que os fatos, são como são, e uma vez que acontecem não podem mais ser modificados.

Se goste ou não se goste, se aceite ou não, existem razões para que tudo o que foi, fosse do jeito que foi, razões que achamos com raízes profundas na história de cada pessoa, de cada família, de cada sistema. São razões que em geral, nossa soberba se conforma em intuir... em supor, em concluir através da uma “lógica” “parcial” e do uso de uma razão “míope” ... são conclusões às que chegamos graças ao conceito, nem sempre certo, de que as coisas são “ou certas ou erradas”.

Porém, podemos dizer que a ideia de algo ou alguém estar "completamente certo" ou "completamente errado" raramente reflete a complexidade da realidade que espera por soluções. O julgamento moral e ético muitas vezes depende do contexto, da perspectiva e do conhecimento disponível. É importante abordar essas questões com sensibilidade, e, ao mesmo tempo, considerar todos os detalhes, pois pela natureza dos relacionamentos humanos, cada situação é única e está cheia de nuances.

Pensar que as coisas e os relacionamentos humanos não são intrinsecamente certos nem errados está implícito na complexidade da natureza humana, na diversidade de perspectivas culturais e das características e contextos de cada uma das situações.

No entanto, como vimos, certos fatos, atitudes, comportamentos, etc., podem ser considerados dentro do julgamento socialmente aceito, ou normal, de uso em determinadas culturas. Dentro de uma família religiosa, por exemplo, é usual e exaltante a prática da oração, da penitência e das leituras sagradas. Mas si observamos uma família composta por pessoas dedicadas à ciência, agnósticas ou ateias, possivelmente verão como certo apostar ao pensamento lógico, e errado, apostar à prática das orações, da mesma forma em que não pretenderão evoluir através da penitência.

Certo e errado, se aplica com propriedade a questões e fatos muito específicos, pela sua aplicação prática, e, mesmo assim, nem em todas as ocasiões se ajusta à realidade, pois em geral tudo transcorre dentro de um determinado contexto, de várias perspectivas, de um conjunto mais ou menos exato de informações, as vezes insuficientes, as vezes carregadas de subjetividade. Tudo o que se julga como certo ou errado, se classifica e estrutura na base de determinados sistemas de crença e de julgamentos retroativos, que se erguem em base a questões éticas e morais complexas de mais, e que, principalmente, se observam e julgam desde uma nova realidade, desde um outro momento histórico e desde outro ponto de vista.

Cada fato, cada situação, cada comportamento, cada escolha e cada decisão, acontecerá de uma forma única, desde a perspectiva de cada indivíduo e em relação a sua própria construção. Daí que cada julgamento, cada crítica, cada observação feita sobre aqueles fatos, situações, comportamentos etc., será uma opinião sem peso de “certo ou errado” ..., será um comentário fora de lugar ou tal vez, uma simples reflexão.

Assim, em ocasiões confundimos o certo com aquilo que seria o melhor dentro de muitas opções, da mesma forma que consideramos o errado, como uma das piores opções, dentro das múltiplas possibilidades. E isto será sempre desde a nossa única e personalíssima perspectiva.

Uma mãe pode ter sido muito rígida e fria no relacionamento com seus filhos, e por uma questão de falta de afagos, de dor, de insegurança etc., os filhos poderão sofrer de várias formas o fato de não ter adquirido as ferramentas sociais e emocionais para enfrentar suas próprias vidas. Até pode ser que eles critiquem angustiadamente a pretendida ausência materna.

Desde o ponto de vista de um filho, a mãe devia ter se comportado de forma diferente, pois mãe cuida, ama, protege, afaga, a mãe é tudo para a gente... Isto, desde o ponto de vista do filho CRIANÇA, pequeno, que acredita em uma mãe heroína, forte pese a tudo, em uma mãe super poderosa.

No entanto existem circunstâncias onde uma pessoa pode estar sobrecarregada. Existem circunstâncias onde a mulher-mãe, enfrentará as dificuldades que a vida propõe, que as tarefas sistêmicas da sua família lhe antepõem como condicionantes a sua própria felicidade, sem ter opções para ser diferente. Pode não ter recebido amor e não ter como dar amor. Pode ter sofrido de mais na sua infância, na sua própria criação forjando uma personalidade que teve que resistir sem ter aprendido a viver, a amar..., a perdoar...

Pode ser, por exemplo, que seu parceiro, o pai do filho do nosso exemplo, não facilitasse as coisas para sua esposa e a deixasse sozinha com as tarefas “chamadas” “da mulher”, ou... pode ter falecido... e que o cansaço e a frustração enevoassem o sentimento de amor pelos seus filhos, ou, até, porque não, tornar essa mulher, incapaz de expressar amor.  Essa mulher-mãe, pote ter sofrido muito.

Há ainda muitas outras circunstancias e contextos, que explicariam o comportamento de uma mãe que não soube dar amor para seus filhos, ou que amou do seu jeito, inclusive, que expliquem o fato de não ter amor para dar. Mas, certamente, todas e quaisquer das diferentes razões para isso acontecer, não poderiam ser vistas nem compreendidas pelo filho CRIANÇA, nem por ninguém que utilize uma lógica rasa e acredite ser dono da razão, sem um verdadeiro conhecimento de causa, pelos motivos que mencionamos antes.

O mesmo acontece perante o alcoolismo do pai, perante a atitude de disputa por heranças, pelo julgamento que acostumamos fazer sobre o comportamento de um parente o parceiro ou parceira de trabalho, por mais insuportável que este ou esta nos resulte... O mesmo acontecerá toda vez que julguemos ou critiquemos a vida, as decisões e os comportamentos alheios. Pois não estávamos nem poderíamos estar, na pele de aqueles indivíduos, na hora em questão. 

A percepção de que cada pessoa possui seu lugar único na rede de relacionamentos, circunstancias e contextos, lugar que lhe outorgam o direito a tomar suas decisões e acatar suas consequências, se constitui numa atitude de solução para sarar, para compreender e continuar a vida de forma leve e criativa. E só é possível, no filho adulto, ou, no adulto que quando filho, não tinha como compreender que a mãe, segundo o nosso exemplo, era em realidade uma mulher comum, que enfrentava a vida com as ferramentas que tinha, e que fez com elas, o melhor que podia fazer. Tanto, que ele está em pé, e agora, olhando para dentro de si mesmo e para suas dinâmicas familiares.

Só o filho adulto poderá entender e perceber todos os atos de entrega e de amor silencioso de essa mãe e ficar em paz com a sua vida. Só o adulto pode olhar para aquilo que está em desordem e achar uma solução verdadeira

A complexidade das coisas e dos relacionamentos humanos muitas vezes não se encaixa em categorias simples de certo ou errado. Mas, esta abordagem não implica que não devamos buscar a ética, a moralidade e o equilíbrio em nossas ações e interações. Na realidade a complexidade desta questão deve nos levar a ser cuidadosos, responsáveis, reflexivos e realmente objetivos.

Em todo caso, é necessária a reconsideração das circunstâncias e das origens sistêmicas dos mais variados comportamentos, antes de julgarmos o que é impossível de julgar, para ter um olhar compreensivo e principalmente fenomenológico. Um olhar desde o nosso e único lugar dentro do sistema de pertencimento.

É o que, nas constelações familiares, se denomina “ressignificação”.

Há mais ainda para falamos do certo e errado nos relacionamentos humanos desde a perspectiva da filosofia sistêmica de Bert Hellinger.

Toda esta filosofia se estrutura sobre um arcabouço teórico ordenado, dentro do qual, as leis sistêmicas ou leis do amor, possuem um dos lugares principais, se não ou principal.

Estas leis, de PERTENCIMENTO, ORDEM E EQUILÍBRIO, de por si, estipulam uma grade de possibilidades e de circunstancias que determinam as principais características e condições de todos e cada um dos integrantes de um sistema familiar.

Qualquer crítica ou julgamento a um integrante do sistema, em última instancia se pode compreender como uma exclusão, que é uma transgressão insustentável à lei de PERTENCIMENTO.

A ORDEM ou HIERARQUIA, não permite a intromissão dos menores na vida pregressa dos maiores. Analisar ou julgar as atitudes do passado dos maiores é uma intromissão que gera desordem sistêmico, e que as vezes, resgatam do passado informações que não nos competem, e até de segredos que não temos o direito de trazer à luz, dentro de um plano de harmonia sistêmica. Taxar como certo ou errado alguma destas circunstâncias é uma outra transgressão que provocará emaranhamentos, e pôr tanto, também provocará as dinâmicas sistêmicas de solução. 

As transgressões à lei do EQUILÍBRIO dentre dar e receber, podem ser observadas neste caso, na tentativa de exigir uma reparação pelo que não se recebeu, e pelo que achamos que deveria ser nosso por direito. A altanaria de defender esse direito como fato consumado, como um direito ou necessidade que outros devem nos satisfazer, sem conhecer realmente o contexto e circunstâncias..., a história e condições sistêmicas dessas outras pessoas, provoca um desequilíbrio dentre quem dá e quem recebe na letra desta lei. A crítica e o julgamento neste caso, determinando o certo e o errado, dentro do fino equilíbrio para cada tipo de relação no referente a dar e receber, gerará consequências negativas para os indivíduos e para o sistema em questão.

Compreender que não existe certo nem errado nos inter-relacionamentos dentro de um sistema de pertencimento, é uma simplificação sadía, na certeza de que o que foi, foi, e não há mais condições para que seja diferente. Foi como foi dentro de aquelas circunstâncias, dentro de aquele contexto e para as pessoas involucradas, e o assentimento desta realidade deixa as portas abertas para uma nova compreensão dos fatos, compreensão que pode permitir, através da ressignificação, a descoberta de soluções verdadeiras e para todo o sistema. Em tanto que a manutenção das fronteiras impostas pela radicalização do certo e do errado, erguem muros e obstáculos intransponíveis que separam e inviabilizam os relacionamentos humanos.

O certo e errado, como dicotomia, separa, exclui, define, inviabiliza.

O movimento de solução só inclui através da percepção adulta do ser que está disposto.

Muita luz a todos

Um forte abraço

Até

 

 

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