Exclusões: do simples ao complexo.

p. Daniel H Della Valle Cauci 

Como já vimos no artigo “Exclusão: Uma ação impensada com consequências sistêmicas negativas”, uma exclusão age como um primeiro movimento de defesa, perante tudo aquilo que ameasse o aceito e estabelecido pelo grupo ao qual pertenço, e, ao mesmo tempo, é um forte movimento de afirmação, pois com ela, estarei declaradamente vestindo os interesses do grupo. Porém, em geral se trata de uma ação não pensada.

 As emoções das circunstâncias e a necessidade de estabelecer um certo equilíbrio, aparentemente racional na nossa mente, para todo um grande fluxo de pensamentos e crenças “do que é e como deveria ser”, reduzem nosso campo de visão..., o afunilam, deixando muita informação importante de fora do conjunto de variáveis, que ajudariam a tomar às boas decisões ou a fazer às melhores escolhas.

Para que exista uma exclusão sistêmica, existirá a negação do direito do excluído a pertencer a seu sistema familiar, e esta negação poderá ser expressa, simples, direta..., mas também pode ser sutil, desapercebida, descuidada e até “inocente”.

E temos que ver que esta negação do direito a pertencer; essa tentativa de omitir seu pertencimento, vem a acontecer em todas e cada uma das esferas dos inter-relacionamentos humanos, seja no familiar, no empresarial ou no social, em todas as áreas.

A exclusão sistêmica mais drástica, mas grosseira, poderá gerar um emaranhamento evidente e traumático. No entanto, as consequências de uma exclusão, ainda sutil, se fará sentir em todos os membros envolvidos em tal movimento, afetando ao sistema como um todo.

É interessante observar que a exclusão, que teoricamente poderia ser evitada através de uma ampliação da consciência, não acontece só ocasionalmente, e sim recorrentemente; é uma prática corriqueira nos inter-relacionamentos humanos...

E isto se deve à existência de padrões de comportamento e sistema de crenças que perpetuam desigualdades e injustiças, na procura de resolver de forma equivocada, de forma individual, o que só pode ser resolvido com a anuência e observação de todas as partes do sistema.

Um caso clássico de exclusão, pode ser observado dentro do seio familiar.

Pode ser uma mãe que abandona o filho, ou que o dá em adoção sem sem consciência da sua ação, ou um pai que o abandona antes ou depois do seu nascimento, sem perceber a dimensão do que significa este abandono.

Toda ação tem uma reação... não é verdade?

A visão romântica da relação pai-mãe/filho, nos diz que o vínculo que existe entre eles, deve ser um vínculo de amor, de respeito, de mutuo cuidado e extrema consideração.

Mas, esta visão romântica não é mais que um sistema de crenças construído nos últimos 500 anos, que é pouquíssimo tempo na formação neurológica do ser humano.

Hoje aceitamos como normal uma dedicação cuidadosa e amorosa para com os filhos, e, como anormal quando é o contrário, porém, condenar o modelo anormal, de plano, sem conhecer as reais e profundas circunstâncias que estão por trás dos desequilíbrios, seria uma simplificação irresponsável.

Neste sentido, uma mãe ou pai que dá em adopção seu filho, pode estar dando melhores condições de vida e até de sobrevivência, se constituindo em um ato amoroso. 

No entanto, é possível, que um filho dado em adoção se sinta abandonado, severamente deslocado da realidade, e, em muitas ocasiões, possivelmente terá que confrontar sua condição com a realidade de outras crianças, de outros jovens ou de outros adultos, que tiveram um lar com as duas figuras parentais. Isto, independentemente de ter tido nesse lar, tudo o que eles necessitavam.

Se na percepção desse ser “abandonado”, não prima um pensamento equilibrado, de gratidão pela vida, da compreensão de que cada um deverá no seu momento, se completar, a partir do seu adulto e através do assentimento a tudo o que foi e a tudo o que é, o ressentimento e a constante necessidade de achar responsáveis pela sua infelicidade, alimentará sua dor através da sensação de injustiça e da necessidade de reparação.

E até, pela sua necessidade de confrontação ou de vingança.

Esse filho abandonado, não terá condições de perceber toda a história que está por trás da sua própria história. Ele dirá a quem queira ouvir, que não tem mãe, que não tem pai, segundo seja o caso.

E nessa afirmação, excluirá a seus pais, com a sensação de ter o direito do acusador e do juiz, tirando pretendidamente dos seus progenitores os seus direitos a ser quem eles são, assim como a suas próprias histórias.

Toda esta situação, na realidade, pertence ao campo do absurdo, pois o filho que excluiu aos seus pais, cresce ou sucumbe aos seus reclamos porque ele existe, e existe porque o pai e a mãe, em algum momento lhe ofereceram essa oportunidade. Se um deles não existisse, ele também não existiria.

Cada célula do seu ser, cada molécula e cada átomo do seu corpo está carregado de informações genéticas, epigenéticas e morfogenéticas, que chegaram através de esses... seus pais, aos que pretende simplesmente excluir pela graça do seu descontente. 

Nada disto é possível, a não ser forçando a realidade. Gerando um emaranhamento que agirá na sua vida como um pesado lastre que lhe enfraquecerá, lhe afastando do êxito e da felicidade, na medida em que a negação de um dos pais (ou dos dois), resulta na negação de si mesmos, provocando um acúmulo de tensão psicológica, conflitos internos, ansiedade e até mesmo problemas de saúde mental e física.

Os pais, por outra parte, são como são e deram o que tinham para dar, graças a suas próprias experiências de vida. Fizeram o que podiam fazer e, de alguma forma, foi suficiente.

A negação de um ou de ambos os progenitores, está no centro de tudo e quaisquer emaranhamento sistêmico.  A negação de um deles, é a negação do 50% de nós mesmos.

"Tudo o que se nega se carrega", e esta frase tão repetida, ressalta a importância de reconhecer e enfrentar nossas emoções e experiências de maneira saudável, em vez de evitá-las. Ao fazer isso, podemos evitar o acúmulo de tensão emocional e promover uma saúde física e mental mais equilibrada.

No nosso exemplo, temos que observar que os nossos pais podem ter tido vidas difíceis. Podem ter nascido em famílias que já mantinham emaranhamentos sistêmicos mais que complicados, sem ter podido modificar seus destinos.

E quando isto sucede, sistemicamente, a responsabilidade de resolver os emaranhamentos familiares, mais que possivelmente será nossa se é que temos a oportunidade, através da percepção, da tomada de consciência, do assentimento e da transformação.

Esse é o verdadeiro caminho da cura sistêmica; da cura familiar.

Sofremos a dor do “abandono”, da falta de amor evidente, a dor de compararmos com outras realidades, até que como adultos, percebemos nem mais nem menos que a realidade das nossas circunstâncias é esta e não outra, e que está em nós a possibilidade de fazer da nossa vida algo com sentido.

Percebemos a vida assim como a necessidade e a merecida possibilidade de sermos felizes apesar da nossa história, corrigindo no nosso coração, aquilo que deve ser transformado, ressignificando o relacionamento com aqueles de quem recebi a vida, pois eles, em última instância, fizeram o melhor que podiam fazer, e, fundamentalmente, porque estamos vivos, e como adultos, só nós temos a responsabilidade da construção da nossa história.

A exclusão é uma ferida aberta até que exista a reinclusão, e dizer “não tenho pai”, ou “não tenho mãe”, mantém essa ferida, numa teimosia infantil que como adultos, somos únicos responsáveis.

Exemplos de exclusões mais sutis, ainda que não menos graves, e que podem ser mencionadas em ocasiões como “inocentes”, são as que realizamos quando negamos o direito a pertencer ao sistema sem ter real consciência desse fato.

É o caso de repetidamente negarmos a opinião de um irmão menor, quando não aceitamos a alguma pessoa do trabalho porque possui características que nos desagradam, quando apagamos da nossa vida ex esposos ou ex esposas, sem reconhecer os papeis que tiveram nas nossas vidas; quando brigamos por uma herança e em muitos outros casos.

Um caso especial de exclusão “sutil e gravíssima”, é a que realizamos perante uma criança que não venho a nascer. A exclusão é evidente no caso de um aborto provocado... mas pode acontecer dissimuladamente, quando uma criança é abortada naturalmente, por problemas de saúde ou por outras circunstancias dolorosas.

Ficará na mãe mais fortemente, mas, também no pai, a tristeza da perda.

Mas é uma tristeza que gera dor e um grande pesar, razão pela qual, geralmente, se deixa a um lado. Com o tempo essa dor pode até diminuir, mas, principalmente fica escondida. A vida segue... e depois chega mais um filho, e uma filha... e dizemos... “este aqui é meu filho maior e esta aqui é a minha segunda filha!”.

Na realidade existiu outro filho anterior, pois ele foi concebido. O filho maior vivo é o segundo filho e a filha, a terceira. Esse “não ter em conta” o filho não nascido, inconscientemente, também configura uma exclusão com consequências sistêmicas.

Há muitas formas de excluir, e, em todo caso, configuram uma transgressão a lei de Pertencimento.

A regra geral nestas transgressões, e que, toda e qualquer exclusão gerará no inconsciente do sistema familiar, as condições e as circunstâncias para evidenciar este desequilíbrio, para que alguém contribua para sua resolução.

Uma vez que a exclusão existe e o emaranhamento sistêmico age sobre os integrantes da família, o único caminho de solução é a reinclusão, através da ressignificação dos fatos e dos atores, do assentimento de tudo o que foi e de tudo o que é, realizado desde o adulto, e no fato de dar continuidade à vida, sem mais críticas, reclamos ou julgamentos.

No sincero convencimento de que nada de todo aquilo que nos trouxe até aqui, poderia ser diferente, e tendo em conta que só podemos intervir no que aconteça de aqui em mais.

 

Um abraço a todos

Muita luz

Até.

 

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