A VIDA QUE NÃO PEDI A DEUS

p. Daniel H Della Valle Cauci

Quem trabalha com a saúde, de uma maneira sistêmica e holística, em geral não carrega a dor dos seus consulentes. Evita conscientemente o processo de transferência contratransferência e se equilibra no papel de ajudante, na expectativa de realmente ajudar.

Mas, escuta as histórias.

Se permite entrar em sintonia com os relatos do consulente e com as circunstâncias, dando um espaço fenomenológico para a compreensão da sua dor. 

Porém, ...Como compreender a dor se não se conhece a dor?


O terapeuta também tem a sua história, e dela é que tira sua sabedoria. Não da teoria nem da imaginação. E poderá extrair a sabedoria da sua experiência, só porque, de alguma forma, conseguiu aprender mais ou menos efetivamente as lesões que tinha para aprender, ampliou seu cone perceptivo e posso permanecer no seu adulto, sendo que nem todas as vezes, aprender, será acumular conhecimento. Muitas vezes, aprender significa modificar o que se sabe, ou até esquecer o que se aprendeu, para aprender de uma outra forma.


Existe um conhecimento de causa no terapeuta, na área da dor do consulente, conhecimento que este necessita para destravar sua vida, e então, quando o consulente está disposto, o terapeuta ajuda.


Porém, nem tudo é tão fácil assim, nem tão racional, nem tão mecânico.

Cada história é uma história única. Cada consulente um universo… insubstituível dentro de um sistema familiar irrepetível, que experimenta uma dinâmica que depende inteiramente de uma força organizativa superior, à qual o terapeuta também se submete.


Um problema de saúde, seja emocional ou físico, é uma construção coletiva.

Ainda que se resuma a vírus ou bactérias, à falta de glutamato ou de dopamina, ou se remita a um choque ou trauma emocional… o mesmo um acidente, igualmente se poderiam rastrear uma série de eventos, escolhas, decisões, heranças, tendências, faltas de atenção ao obvio e uma enorme cascata de dissonâncias cognitivas aceitas em nome da boa consciência, que desembarcam sim nenhum tipo de acaso, como desequilíbrio, conflito ou emaranhamentos, numa situação de doença. Mas, para chegar a ela, muitos atores, muitas histórias e muitas interpretações das mesmas histórias, participaram dessa construção.


Muitas pessoas se perguntam… Por que a mim?

O que é que fiz para merecer esta vida… este sofrimento, esta falta de sorte!?

Algumas pessoas sofrem tanto, que em algum momento da sua vida, até deixam de se fazer estas perguntas.



Não foram poucas as ocasiões em que fiquei mudo, após ouvir a queija dos clientes, e perante as histórias trágicas por trás das suas dores, sem saber como continuar na minha constante procura do meu lugar de ajudante. Às vezes, nascer de novo deveria ser uma opção, pedindo a aquela força superior, um pouco mais de consideração e empatia.

Mas, não é assim que se resolvem as coisas, nem é assim que deveria ser uma atitude terapêutica responsável e madura.  


Há histórias que são verdadeiramente muito difíceis.


São histórias que ninguém pede a Deus.

E seja porque Deus escreve reto por linhas tortas (e ele já mandou avisar desse seu jeito), ou porque não é Deus que distribui as tragédias da vida nem os desamores, e sim as pessoas, os seres humanos, que entendem e fazem as coisas do jeito que lhes é possível, não é sensato botar nossas mágoas na conta de Deus. Na lógica, sendo que Ele é todo poderoso, deveria poder evita-las, mas em todo caso, não participa nos condenando aos nossos destinos mas dolorosos. Em todo caso, culpar a Deus é um caminho fácil para reafirmar a nossa ignorância, e, para outros, uma amostra grotesca do desprezo pela fé que se diz ter.


A vida que temos, e, tanto seus acertos como seus desacertos, também não dependem só de nós. Depois de assumirmos a tarefa de viver, muito dependerá do nosso empenho e atitude perante a vida. Mas, só depois e com as cartas marcadas.

Não é exato dizer que nascemos como um libro em branco. Na realidade nascemos com a maior parte das circunstâncias definidas. Somos concebidos como uma continuidade e não como um princípio. Sem direito a escolhas iniciais, estas só surgirão como uma possibilidade tímida de exercer um falso livre arbítrio, anos depois, quando ainda nem sabemos bem nem estamos suficientemente preparados para compreender à vida. E aí… Claro! É fácil botar os pés pelas mãos.


A vida também é uma construção, ao igual que a doença. As definições de doença e de vida, muitas vezes se confundem. Dependendo de como construamos nossa vida, construiremos também nossas doenças e dependendo de como construamos nossas doenças, nos afastaremos da vida.


Constantemente, ouvimos no consultório muitas histórias tristes. Histórias que muitas vezes, se não todas, devemos destrinchar para compreender a doença. Essa é a nossa tarefa. 


Mas, qual é a tarefa do consulente?

Quais são as suas opções?


Na realidade, só duas: Seguir sofrendo ou deixar de sofrer. 

Mudar a história é uma miragem infantil. Miragem na qual muitos insistem até pasar a viver numa realidade pessoal aleia e fantasiosa. A história não se muda. Se compreende, se ressignifica, se transforma... Nossa biologia não pode ser revertida e as pessoas mudam se querem. Pretender que as pessoas sejam do jeito que Eu necessito que sejam é outra fantasia infantil.


Em todo caso deve existir alguma solução, e deixar tudo como está, não é um opção viável. Recortar a realidade e as experiencias para ficar só com os aspectos que não machuquem, não é possível. Há quem tenta, mas, no entanto, um pouco mais pra aqui ou um pouco mais pra lá, a casa cai. Uma solução verdadeira seria sair da dor de uma vida difícil, colocar as coisas no seu lugar e continuar em direção à vida, o que supõe equilíbrio e a possibilidade de ser feliz.

Mas, se tenho uma vida de abandono, de postergação, de agressões, de mentiras e de circunstancias ainda mais dolorosas..., e que às há, ...


Como passar por cima da dor, do desespero, do medo e da angustia e encarar a vida com esperança e felicidade? 


Como deixar para atrás o que parece impossível ser deixado?


Como preencher os espaços que deveriam ter ocupado os pais ou mães ausentes, como esquecer dos desamores e as agressões de quem deveria ter-nos cuidado…, as traições, as frustrações, os equívocos...?


As histórias são muitas, difíceis e pesadas..., viver de novo não existe, e, jogar a vida fora, não é uma solução pessoal e menos ainda uma solução coletiva.

Perante as evidencias, o viável é continuar vivendo. Mas vivendo na sua verdadeira e única acepção, que é na onda de energia de vida, sempre em direção à vida. Até porque as histórias difíceis que carregamos já são antigas, e, para continuar na vida, procurando felicidade e êxito, necessitamos deixá-las ir embora e parar de carregar pesos mortos que em realidade, a maior parte das vezes nem são nossos.

Ao nascer em uma família emaranhada sistemicamente, herdamos tarefas sistêmicas, aquelas cartas marcadas que mencionamos algumas falas atrás. Estaremos sujeitos a repetir padrões (nem sempre positivos), nos reafirmar em sistemas de crença arcaicos, nos sacrificar por familiares no esforço infantil (e ilusório) de acreditar que podemos salvar ou aliviar a dor de quem amamos ou acreditamos amar, postergamos a nossa felicidade e perdemos a saúde, na tentativa de acompanhar a alguém que não é feliz ou não tem saúde, sempre por “amor” a esse alguém (um amor que chamamos de cego) mas que, em definitivas, hoje sofre como resultado da sua própria construção de vida.

Todas e cada uma das possibilidades antes mencionadas, são as que claramente estão perante dos nossos olhos, porém, não só não temos obrigações de segui-las, se não que podemos tomar outras decisões e fazer outras escolhas... podemos criar novas respostas e novas soluções.


Resumindo.

A nossa vida pode estar muito complicada e o nosso passado, a nossa história, pode ser muito dura e de grande sofrimento.

A pergunta é...

O que é o que se quer para si mesmo?  

Como quer se ver daqui a um ano ou menos...?


Se acha que deve continuar lutando para mudar seu passado injusto, esperando que a vida volte e lhe devolva o que não deu e você acha que merecia..., se você acha que algo disto é possível... tudo bem. É a sua vida.


Se a resposta é querer virar a página para de uma vez por todas estar bem... se verifica que como adulto poderá alcançar aquilo que é essencial para sua vida, para assim poder abrir as portas da felicidade e do equilíbrio, então... é hora de virar a mesa e dar uma boa olhada sobre tudo o que doe; separar as coisas para melhor compreendê-las, dar outros significados aos fatos que sempre vimos desde nossa imaturidade, desde a criança que acreditava saber de tudo... inclusive, nos permitindo desde o nosso tamanho e madures, descartar a imagem fantasiosa e romântica que como crianças construímos dos nossos pais, para poder ver verdadeiramente quem é nosso pai, quem foi realmente a nossa mãe, tendo em conta aquilo que não sabíamos nem poderíamos ver. 


Tendo em conta também, que pai e mãe, eram pessoas comuns com a suas próprias histórias (assim como as nossas), e que carregavam suas particularidades, suas dores e suas próprias experiencia de vida, e que muitas vezes limitavam a quantidade de atenção e de amor que deles exigíamos. 

Devemos crescer e ocupar nosso lugar de filhos de esta vida e na família na qual nascemos, e não habitando uma fantasia.


Como filhos somos uma continuidade de dois sistemas familiares cheios de histórias, nem todas bem contadas, sem chegar a pensar que todas possam ter finais felizes, e tendo bem presente que algumas dessas histórias, esperam para que nos, desde o nosso lugar de filhos, de pais, de irmãos etc., participemos das soluções que colocarão luz na nossa vida, e transformarão desequilíbrios e doenças em saúde e harmonia para nós e as novas gerações. 

 

Um forte abraço a todos


muita luz


até


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