FILHO: SEU PAPEL SISTÊMICO, NA RELAÇÃO MÃE/FILHO (Parte 1)

 p. Daniel Héctor Della Valle Cauci

PARTE 1


FILHO: SEU PAPEL SISTÊMICO, NA RELAÇÃO MÃE/FILHO

Na exploração anterior, reflexionamos sobre o papel materno na relação Mãe/Filhos.

Claramente, tudo o que se refere a essa relação está muito idealizado. Muito romantizado. Sempre se fala muito de amor materno, de amor filial, de uma boa mãe, de bons filhos, ...quase sempre perdendo de vista que mães e filhos são pessoas comuns, vivendo vidas comuns na enorme maioria das vezes, e que conceitos como “boa mãe” ou “bons filhos”, geram naturalmente uma exclusão gratuita.

Mas, no olhar sistêmico, sabemos que por trás de cada Mãe e de cada filho, existe um campo familiar específico, com heranças específicas, coexistindo com outras influências de muitos outros campos de pertencimento que, posicionam ou deslocam o indivíduo segundo suas características. Dito de outra forma, Todo



indivíduo possui características únicas físicas, orgânicas, emocionais ou comportamentais, pautadas pelos parâmetros sistêmicos herdados das famílias de origem. E dentro de toda a dinâmica familiar, os conceitos de bom o de ruim, ficam tão relativizados, que se dissolvem perante as evidências.

Por outro lado, a criança interior que precisa ter o controle, se ilude com a possibilidade de que todos nesta terra, posamos ter o poder de discernir e conduzir o nosso destino, de uma ou de outra forma, a partir de simples escolhas e tendo o livre arbítrio como único conselheiro; ou pensando no maravilhoso que seria, ter a disposição como numa planilha Excel, uma espécie de balanço karmico, para podermos maximizar os nossos esforços evolutivos a partir da inteligência e da meritocracia. Porém, estas opções só fazem parte de uma projeção irreal da vida.

Cada um de nós é como é. Cada um tem um momento e um lugar na história, um contexto familiar único e uma herança que atua como uma verdadeira teia de aranha. Mas também, temos sempre a possibilidade de mudar. Só que isto só funciona desde o assentimento a todo o que foi e a tudo o que é.

Assim como no artigo/vídeo anterior, onde dizemos que a Mãe é como ela é, da mesma forma os filhos são pessoas únicas e com todo o direito de serem do jeito que são, inclusive quando não se comportam do jeito esperado.

Em todo caso, as nossas características podem não se ajustar a nosso entorno. Podem facilitar ou impossibilitar o fluir na vida; o fluir da realidade que nos toca viver. Pode ser que a nossa consciência ou nossas consciências, evoluam em direção à vida, percebendo e transformando o que é pesado em leve; desfazendo conflitos e integralizando o que foi separado… especialmente aos excluídos. Ou pode ser que a nossa consciência ou nossas consciências, permaneçam presas na fidelidade por amor (neste caso, um amor que adoece), se mantendo apegadas a estruturas arcaicas, que, ainda sendo de alguma forma funcionais, impedem os ajustes e adaptações de cada dia, necessários para atravessar pelas dificuldades e desafios que a inter-relacionalidade nos apresenta.

Por esse caminho é que nos confrontamos com o grande desafio.

E este é: Compreender e assentir o pertencimento de todos. Nos apossar do nosso lugar na vida, e desde ele, fazer todos os ajustes e transformações que achemos necessários, para permanecer na condução consciente da nossa vida, sem gerar consequências negativas.

Esse grande desafio é também o desafio na relação Mãe/Filhos.

Para os filhos, faz parte desse desafio compreender e assentir o pertencimento da mãe (algo tão absurdamente lógico, que a negação desse pertencimento chega a doer!), assumir nosso lugar de filhos e não outro, e desde esse papel de filho permanecer atentos ao fluxo da vida e suas exigências; sem renunciar ao essencial e sem exclusões, elaborando a nossa herança e nos adaptando sistemicamente à nossa realidade, sempre atentos às possibilidades latentes no campo quântico.i

O tema é então:

Qual é o papel sistêmico dos filhos na relação Mãe/Filhos?

O que é que se espera deles, dentro da família e, especificamente, em relação a Mãe?

Como já dizemos, faz parte desse desafio compreender e assentir o pertencimento da mãe.

Mas existe muito mais para observar.

Os filhos, como pessoas, terão suas próprias características, inclusive desde antes dos seus nascimentos. Mas, a diferença da Mãe que teve tempo de assumir (ou não) seu lugar e seu contexto familiar, o recém-nascido tem muito que apreender e experimentar. Traz consigo muita informação, com a qual ainda não sabe lidar. Longe estão os recém-nascidos de serem “folhas em branco” como muitos sugerem. Eles trazem sim muita informação desde o extenso campo familiar.

A Mãe não nasce mãe, mas o filho sim nasce filho e essa diferença estabelece papeis preestabelecidos a cumplir e serviços assinados para desempenhar, dentro da rede das conexões familiares.

O Nascimento da mãe lhe outorga à mãe uma precedência na sua família durante a gestação e no puerpério, da mesma forma que nos antigos clãs as mulheres grávidas, os recém-nascidos e suas mães, permaneciam no centro do grupo. Ainda, quando mãe de primeira viagem, esta experimenta uma nova hierarquia e uma nova forma de “dar e receber”. Nada disto é fácil e muito menos automático.

O filho ao nascer ganha precedência dentro da sua família e em relação aos irmãos ainda que sem eliminar a ordem. Ao entrar no fluxo da vida ele será o mais “pequeno”, com toda a carga sistêmica vertical e leveza sistêmica horizontal que isso traz. Durante um bom tempo, estará na vida, mas ainda na influência da mãe quando presente. Literalmente sendo parte da mãe, tanto, que o filho só se percebe diferente dela através de um processo traumático que acontece dentre o quinto ao nono mês de vida.

Superficialmente, isto parece não ter muitas consequências práticas e de fato, muitíssimas são as famílias que trazem filhos à vida sem todo esse conhecimento e, mesmo assim,... “vingam”. Não é?

Ainda que pareça que não, mas existe sim uma pontinha de verdade nessa afirmação, e faz parte da realidade. Mas, em todo caso, basear o vínculo com os nossos filhos, no desdém e na desconsideração, se parece mais a uma criação espartana ou, minimamente, irresponsável. Em tanto que a nossa procura é a análise sistêmica da relação Mãe/filho, quando funcional.

Assim, podemos dizer que aqueles, são nascimentos e situações bem diferentes e que gerarão consequências profundas na mãe que nasce como mãe e nos filhos que nascem como filhos.

A partir daí e pelas características dessa relação, é da mãe a maior parte da responsabilidade na geração do vínculo mãe-filho, assim como do ambiente propicio para o crescimento “saudável” do seu filho. Vínculo que começa a ser criado já no período pré-natal ou tal vez, desde o desejo de ser mãe, e se prolonga e estrutura em toda a primeira infância desse ser.

Esse vínculo, resulta fundamental para a criança, possibilitando um desenvolvimento saudável da personalidade e dos comportamentos sociais, da autoestima assim como do seu posterior relacionamento com o mundo exterior.

Sem esse vínculo, sabemos que a criança deverá enfrentar diversas dificuldades. (Uma amostra não tão pequena disto é o “Movimento Interrompido”)

Apesar disto, para o desavisado, o filho “aparenta” ser um ser independente da mãe, e por tanto esse vínculo Mãe/Filho não teria tanta importância, já que mesmo na ausência da mãe, o Filho poderá sobreviver, sempre que outra pessoa lhe cuide, lhe alimente e lhe proteja. E isto é verdade. Isto acontece quando o vínculo materno não chega a ser consolidado ou quando após da criação desse vínculo, algum fato separa a criança da sua mãe (doença, morte, separação pelo motivo que for...). O que o desavisado não vê, é que haverá sobrevivência, mas a falta de vínculo ou sua traumatização, imprimira marcas profundas na mãe e particularmente no filho (sem sequer tentar entrar na questão do que é certo o do que é errado).

A preparação para desempenhar funções complexas, faz que no homem, o desenvolvimento seja lento e, a diferença de outros animais, nascemos totalmente dependentes. Só dentre os 10 meses e o ano e meio de idade, a criança começa a ter noção de se mesmo. Aos 3 anos ou perto dos 3 anos, começa a adquirir a consciência do que é certo e o que é errado. Mas, só ao derredor dos 12 anos começa a definir sua consciência crítica e social, aumentando muito o leque das relações, adquirindo laços e adotando regras que fortaleçam seu pertencimento aos grupos dos quais participa. Desde o nascimento e até os 12 anos, aproximadamente, a criança está num processo de autoconstrução onde experimentar o mundo e os laços relacionais resulta de fundamental importância.

Nos primeiros anos de vida, é justo dizer que as sensações e emoções vivenciadas pela criança e pelas pessoas que a cercam, são as principais ferramentas para o aprendizado.

Todas essas experiências e emoções, quando equalizadas sistemicamente pela figura materna, permitirão uma maior adaptabilidade ao meio, que é o que nos estimula a definir a forma em que utilizaremos toda a informação genética, epigenética e sistêmica que carregamos simplesmente por ter nascido.

Más...O que acontece se a mãe não está disponível?

Há muitas formas de não estar disponível. A grosso modo, a mãe pode estar presente, mas não disponível para a criança (como por exemplo na depressão pos-parto, ou quando a mãe deve ficar internada após do nascimento do filho) ou pode simplesmente não estar (quando abandona seu filho ou morre).

Por tanto, o vínculo Mãe/filho que nós “equaliza” e completa, não se limita a uma questão de presencia ou de ausência materna, ainda que esta seja fundamental. Não se trata de que o vínculo seja condição para a vida dos filhos. O vínculo Mãe/Filho pode viabilizar o sucesso e a felicidade na vida do filho ou filha ou não; isso dependerá somente da qualidade e do equilíbrio sistêmico desse vínculo. Mas, mesmo assim, estando a Mãe o não, existindo o vínculo o não, será papel do filho, no seu processo de amadurecimento e integração da sua personalidade, o assentimento de tudo o que foi e como foi, assim como o “Tomar” tudo aquilo que recebemos da Mãe e do Pai, seja o que for em termos de quantidade, qualidade ou amorosidade.

Só a mãe e o pai podem nos dar a vida. As outras coisas podem vir deles ou de outras pessoas... ou, na sua hora, podemos nós mesmos ser os provedores do essencial.

Este “Tomar”, é um movimento imprescindível que devemos realizar em algum momento da nossa vida de filhos, e se trata de inclui harmoniosamente no nosso ser (a nossa origem e o que jamais deixou de ser parte de nós), a Mãe e o Pai.

Apesar de aparentemente contraditório, na prática uma mãe pode ter dado seu filho em adoção e isso ter sido muito beneficioso para a criança. Em tanto que uma relação disfuncional mãe/filho, pode ser a base de um relacionamento traumático, que continua ou inicia emaranhamentos que deixam a vida de todos pesada e frustrante.

Mas, a explicação de todos estes processos não faz parte da atividade do constelador. Outros profissionais analisam e explicam psicologicamente as dinâmicas relacionais, em tanto que o constelador observa os efeitos dessa inter-relação, não para meramente explicá-los e sim para compreendê-los dentro da filosofia sistêmica e incorporá-los a um movimento de harmonização e resolução que reestabeleça, quando perdido, o equilíbrio do grupo.

É papel do filho também, ser “pequeno”.

Ser, desde seu lugar na família, um ávido aprendiz; como um receptáculo que sem estar vazio, aos poucos se descobrirá com heranças e serviços a realizar pela família, as vezes em conflito com as suas próprias expetativas. O filho, desde seu nascimento, vive um período de grandes mudanças e de maiores conflitos; de desafios que vão desde o conhecimento de se mesmo e a aceitação do próprio corpo, até a imprescindível identificação com a “sua turma”, na procura da imagem social “perfeita” ... Tudo isto, aprendendo a velocidade exponencial a lidar com toda essa carga de estímulos e aprendizados.

Ser pequeno, também define a forma em que se relaciona com os “maiores” da família, sem que isto signifique submissão ou insignificância. Especificamente, estas características surgem no desequilíbrio e como tais, não deveriam estar presentes numa família onde prima a inteligência sistêmica. Mas também, a precedência da qual disfruta não pode ser um passaporte à arrogância nem ao desrespeito, fundamentalmente dos “maiores”. Sempre tendo em conta que características como submissão, insignificância, arrogância e desrespeito (todas), “crescem” na criança, não como substratos inatos e sim como produto da elaboração de tudo o que recebe da sua família, inclusive dos ancestres.

Se relacionar com os maiores desde sua pequenez, significa estar e ser dinamicamente no seu lugar e no seu contexto, sempre fluindo em direção à vida.

Na relação Mãe/Filho se aninha também, toda uma herança, todo um legado que já vinha sendo elaborado pela mãe e pelo pai, mas que cai no colo do novo ser sem opções junto a seu pertencimento e ordem. São aquelas heranças e serviços a realizar pela família das quais falávamos antes...

Veja que segundo esta filosofia, a criança nasce com um lugar no mundo e na família, que é seu por direito e que ninguém poderá tirar. Nasce também em uma determinada ordem, ditada pelo tempo. Nasce pequeno e como já vimos, terá que se relacionar com os maiores, de forma equilibrada e segundo as leis sistêmicas. Ainda, ele nasce dentro de um sistema familiar, sendo parte desse sistema e tendo ligações, heranças, benefícios e responsabilidades, dos quais terá ciência na medida em que se expandam as suas relações e conforme sua consciência social se consolida.

Por tanto, é papel do filho, que é insubstituível no seu sistema familiar, ser parte consciente ou inconsciente da alma familiar (um conceito básico da filosofia sistêmica).

Segundo o Sr. Bert Hellinger, existe uma alma familiar que une todas as pessoas da família, independentemente de estarem vivas ou mortas. No seu livro “Viagens Interiores” diz:

“A alma também nos une a outras pessoas. Em primeiro lugar, ela nos une à nossa família: a nossos pais, irmãos e antepassados, ela nos une a eles como se tivéssemos uma alma comum, uma alma maior. Nossa alma pessoal atua em função dessa alma maior que, por sua vez, atua na alma que vivenciamos como pessoal”. (Hellinger, 2008, p. 38)

Mais tarde, Hellinger amplia e inclui outras pessoas nessa alma familiar, como é o caso de todo aquele que pelo seu sacrifício ou ação tenha beneficiado ou prejudicado a alguém da nossa família.

Agora, ser parte da alma familiar, significa no só pertencer a essa família. Significa que estará num papel que só ele pode interpretar, com responsabilidades e benefícios, independentemente da sua alma pessoal.

i Desta afirmação, o mais difícil de aceitar pode ser isso de “...sem exclusões”. Sendo que alguma coisa me perturba ou retrasa meu plano de vida, se é que existe alguma coisa que me magoa ou agride, é lógico que o exclua da minha vida. Mas o ato de excluir, nos tira do equilíbrio sistêmico. Está na compreensão da lei do Pertencimento.

IR DIRETO A parte 2

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