AS FACES DA FÉ

 p. Daniel H Della Valle Cauci

Oh tema complexo...

Qual é o papel da fé na nossa vida?

Que significa ter fé?

Existe uma fé única ou podemos distinguir vários tipos de fé...?

Falamos só de fé religiosa, ou há outros tipos de fé?

Não é um tema que possamos abordar de forma leve ou superficial...  e se quisermos..., poderíamos discursar centos de páginas, sem ainda chegar perto de esgotar o tema.

Fé é uma palavra que significa "confiança", "crença", "credibilidade". A fé é um sentimento total de crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência que comprove a veracidade da sustentação dessa crença.

Desde o ponto de vista religioso, a fé é uma virtude daqueles que aceitam como verdade absoluta, os princípios difundidos por sua religião. Trata-se de uma fé total, que mais que cega, elimina qualquer dúvida, plausível ou não, se entregando absolutamente através de votos a suas crenças.

Também, na fé religiosa, existe uma correlação direta com os dogmas que sustentam a religião da qual se trate. Na postura dogmática se defende que existem certos postulados que estão fora do alcance da crítica.

Na realidade a coisa é bem complexa, pois o conhecimento que temos das coisas, em geral, é muito limitado e de jeito nenhum temos como explicar tudo o que damos por certo e irrefutável.

Hoje se parte do fato de que existe sempre uma incerteza, uma imprecisão, salvo em assuntos relativos as ciências exatas... e olha lá.

Fora de qualquer tentativa de atacar a fé religiosa, no que estamos interessados, é em olhar para a fé e o que ela provoca em nós. Pois não só se fala da fé religiosa.

Dizemos por exemplo:

“Eu tenho fé de que tudo dará certo!”

“Tenha fé... tudo vai mudar!”

“tenho fé de que conseguirei”

É verdade de que a fé religiosa adquire uma outra profundidade... uma outra dimensão... Mas possivelmente por uma questão de generalização, de modismos, a fé a qual fazemos menção corriqueiramente, se escuda um pouco na postura do dizer místico.

Dizemos por exemplo: “Eu tenho fé, se Deus quiser, que tudo dará certo”.

De toda e qualquer forma, ter fé, significa acreditar, sem ter motivos conhecidos, desvendados... É crer TOTAL e ABSOLUTAMENTE em algo ou em alguém, sem nenhuma certeza real, a não ser pela própria convicção inerente da fé.

Como todo somos diferentes, e experimentamos a realidade de forma particular e única, não há como generalizar, mas, podemos reflexionar sobre os grandes tópicos do assunto da fé.

Está errado ter fé?

Nada disso! Como muitas coisas na vida, ter fé é uma escolha, uma possibilidade, e toda escolha é possível, tendo em conta que junto a qualquer escolha, também haverá uma renúncia, e depois, sempre existirá uma consequência, por aquela questão da causa e efeito, e esta ou estas consequências poderão ser positivas, negativas ou mais ou menos neutras.

Inicialmente então, ter fé, tem diferentes significados e efeitos nas pessoas, dependendo de suas crenças, contexto cultural, e experiências individuais. O ponto de partida para compreender estes significados e se propor medir seus efeitos, sendo que a fé tão relativa, é perceber ao indivíduo que sente a fé.

É perceber quanto a fé e necessária para fechar coerentemente, para esses indivíduos, a prática de viver..., quanto essa fé é uma condição para dar algum sentido à vida, ou quanto o conceito fé, poderia ser dispensável.

Muitos podem pensar que ter fé é um sinal de fortaleza, em tanto que outros, consideram a fé u oposto, um claro sinal de fraqueza. Para nossa reflexão sistêmica não é nem um nem outro.

Cada pessoa construiu sua estrutura emocional, conceitual e até psíquica de forma única e continua sua estruturação até a hora da morte, até a hora de se concluir, e, dependendo de muitos fatores, a fé pode vir a calhar, preenchendo espaços conceituais ainda vazios, ou dando validez ao que seu coração e sua mente diz

A fé, seja religiosa ou não, pode fornecer propósito e significado na vida, respondendo questões existenciais que, quando estão sem resposta, naturalmente geram estresse e ansiedade

Também a fé é uma fonte de força e resiliência nos momentos mais angustiantes.

Dentro de um sistema de pertencimento, a fé faz parte de uma identificação a ideias e crenças comuns, muito importantes para os indivíduos, pois é através dessa fé que podem se gerar os laços fortes que sustentam seu pertencimento, além de proporcionar sensações de paz, serenidade e inocência.

Ao mesmo tempo, a fé suaviza as desavenças no sistema, promovendo valores de tolerância no seus integrantes.

Muitos podem ser os benefícios da fé, no diário viver, seja que se trate, como dizemos, de fé religiosa ou não.

No entanto a fé pode desacelerar o fluir da vida em algumas ocasiões. Pode ser fonte de conflitos e emaranhamentos que, até conduzem a situações críticas como são as guerras, e não só as religiosas.

Ter crenças diferentes conduz comumente a hostilidade e ao antagonismo. Dessa forma, a fé pode ser distorcida e usada como base para o fanatismo e o extremismo.

Um caso claro de consequências da fé fora do contexto construtivo, o achamos quando a fé se opõe a conceitos e informações que a ciência já estabeleceu como certos, atrapalhando a evolução social, a sustentabilidade e a preservação.

Não são poucas as vezes que observamos, como é que pode uma fé absoluta, levar aos indivíduos à sensação de “pecado”, à sensação de estar sujeitos a punições físicas ou espirituais, sem a opção de redenção, nesta ou em outras vidas, o depois da morte.

Muito mais claramente, acharemos efeitos extremadamente negativos, quando a exigência da fé, conduz pela manipulação de uns, ao sacrifício emocional e financeiro, ou a deformações comportamentais ou ideológicas de grandes grupos de pessoas.

Tanto os aspectos positivos como os negativos da fé não se aplicam universalmente, mas, existem, e, em geral, não são observados nos seus reais e profundos significados.

Porém, de que outra forma poderíamos observar a incidência da fé na nossas vidas?

O conceito de fé, não existe isoladamente. A fé se define nos parâmetros socio-cultural-religiosos de cada indivíduo e de cada grupo de pertencimento. Se influencia no contexto histórico e nas circunstâncias de cada pessoa.

 

Para alguns, rituais e acreditar em dogmas pode ser uma boa forma de se blindar contra o que não se compreende e assim ter a segurança que para essas pessoas é imprescindível, seja através da religião ou de uma racionalidade “sui generis”. Nestes casos, podemos observar que existe um “lapsus”, um salto no processo de inter-relação com a realidade, preenchido com a fé.

E está tudo bem.

A fé nos dá a força e ao mesmo tempo, nos dá uma base que supomos certa e que faz desnecessária a percepção de uma parte da realidade, que poderíamos perceber e administrar de outras formas, talvez mais adequadas, como é o caso de pensar que tudo dará certo... em qualquer situação.

Sim..., pois a fé como necessidade, pode nos manter tanto na certeza do melhor, como conduzirmos ao vazio. A própria natureza da fé religiosa nas pessoas, em geral, não é nem constante nem inquebrantável, quanto muito menos ainda o é a fé em coisas, circunstâncias ou em outros seres

O certo talvez, seja nos relacionar com circunstâncias e pessoas através de outros sentimentos como o amor por exemplo, e não através de uma fé que pesa, obriga, condena e castiga, gerando o contrário do que uma convicção de estar certo deveria provocar. 

Ou, nos relacionar através de uma fé melhor compreendida; através de um entendimento sistêmico deste conceito, e não simplesmente através de uma firme e inabalável convicção, como se estabelece na Bíblia, pois sabemos e acreditamos que tudo é movimento, tudo é em ondas...., tudo é cambio e adaptação.

As certezas têm se demonstrado sempre muito frágeis.

Dentre tanto, cada um com sua fé.

Na nossa reflexão, na perspectiva sistêmica da fé, é possível ampliar este conceito, e ao mesmo tempo deixa-lo muito mais leve, o que pode nos liberar das amarras que enrijecem as inter-relações através dele; podemos ganhar uma compreensão mais abrangente do seu significado, reconhecendo as ligações e influências dentre os vários elementos que fazem parte dos relacionamentos através da fé, e, principalmente, sem perder de vista que, o espaço que a fé ocupa em nossas vidas, não é um espaço escuro ou inaccessível, e sim um espaço que necessita ser observado e percebido para que tenha um significado profundo e não simplesmente um convite a não pensar ou sentir no coração.

Isto, nos permitirá preencher o lapsus que a fé está chamada a ocupar, com uma fé mais robusta e contundente ou com sentimentos mais sustentáveis, que, ao ser assentidos no nosso coração, nos deixarão mais próximos da experiência de podemos exercer o que anelamos como livre arbítrio.

 

Muita luz a todos

Forte abraço

Até breve.


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