O QUE SIGNIFICA... "ESTARMOS NO NOSSO LUGAR"

 p. Daniel H. Della Valle Cauci


Qual é o meu lugar? E que isso significa nas Constelações Familiares Sistêmicas.

Quem se aventura na leitura de livros ou artigos que discursam sobre a filosofia sistêmica e sobre as constelações familiares, ou participa de workshops com constelações, se depara com conceitos e palavras conhecidas, que parecem ter significados diferentes, mas que na realidade, nem são tão diferentes assim. Em muitos casos, o que se fez com esses conceitos e com essas palavras, foi lhes devolver seu significado original, reconhecendo neles uma abrangência e uma profundidade que aos poucos parece ter caído em desuso.

 Este resgate de conceitos e significados não é uma característica exclusiva da filosofia sistêmica, pois na medida em que surgem novas formas de pensar e de compreender o que é realmente importante na vida, se abrem novas e diferentes forma de perceber a realidade, trazendo com a ampliação do cone perceptivo, novos aprendizados e novos desafios e até, porque não, uma nova realidade.

 Recentemente, tanto em vídeos, post como em encontros, temos falado da “ajuda” e das suas condições para ser sistêmica, evidenciando a complexidade deste conceito. O conceito de amor, é outro exemplo mais que evidente na releitura do seu verdadeiro significado, ainda que sem lhe agregar nada ou quase nada.

A exclusão, um conceito que à luz da lei do pertencimento, deixa de ser um movimento simples e corriqueiro... para ser uma das formas mais fáceis de se desviar do conceito de equilíbrio sistêmico.

Se fala muito, por exemplo de “tomar aos pais”, sem que isso signifique colocar eles dentro de um copo...

 Som conceitos, palavras e frases que não fazem parte de um modismo, senão que fazem parte de um novo paradigma no que se refere aos relacionamentos humanos.

 Um outro conceito mais que interessante na filosofia sistêmica, e que nos chama à reflexão, e aquele que se expressa na frase “estar no seu lugar”, muitas vezes mencionada e repetida tanto em livros e palestras como em frases de cura sistêmica, e não é por acaso.

 E porque falamos tanto de “estarmos no nosso lugar”?

 Bem... na visão sistêmica, dentro deste paradigma, todo se vincula à forma em que nos relacionamos.

Ocupamos um lugar dentro de uma rede de relacionamentos, seja no sistema familiar, no trabalho, na universidade, na comunidade etc.  E esse lugar que ocupamos nessa rede é nosso e só nosso.

Falamos da Mãe de Maria, do João irmão de Pedro, do professor Vitor e do vereador fulano de tal, e ..., a Mãe de Maria só pode ser a Mãe de Maria e não outra... e falamos do professor Vitor e não de outro professor. O professor Vitor só pode ser aquele e não outro...

Nessa rede, a Mãe de Maria se relaciona com o pai de Maria, com seus próprios pais e familiares de uma forma única e irrepetível. Da mesma forma, o Professor Vitor possui a sua forma única de comunicação com seus alunos, que lhe diferencia dos outros professores e de qualquer outra pessoa. Os laços que se estabelecem entre este professor e seus alunos são também únicos e irrepetíveis.

 É uma questão de sentido comum... Se por exemplo, não fosse aquele professor Vitor, as aulas e o conteúdo da matéria, seria passado aos alunos de forma diferente, com mais ou menos clareza, por um outro professos com mais ou menos conhecimentos, pode ser que o novo professor falte mais as aulas, ou, se fosse uma professora, poderia ser que viesse a engravidar e tivesse que ser substituída por um outro professor ou professora, trazendo novas e diferentes características de ensino e de personalidade...

Se não fosse o professor Vitor, o relacionamento entre a sala e o novo professor seria simplesmente outro e desconheceríamos totalmente as consequências de essa nova realidade.

 Cada um de nós, traz para os relacionamentos que experimentamos as nossas características, as nossas particularidades e faz de cada relacionamento um espaço de intercâmbio que como já dizemos é único e irrepetível. Nenhum de nós pode ser substituído sem consequências nas redes de relacionamentos nas quais participamos.

 E se ninguém pode ser substituído do seu lugar da rede sem introduzir modificações nos relacionamentos, e por tanto sem provocar consequências, também não poderá substituir a uma outra pessoa sem gerar modificações na rede e acarretar consequências, independentemente destas serem positivas, negativas ou neutras. Justamente, nessa impossibilidade de ocuparmos outro lugar, e de insistirmos e querer ser e estar fora do nosso lugar, está uma das maiores fontes de conflitos e emaranhamentos.

 O esquecermos de que temos um lugar, de que todos e cada um de nós tem esse lugar, e não só isso, senão que cada um de nós tem direito exclusivo desse lugar e tem também responsabilidades intrínsecas com ele, abre inúmeras portas para emaranharmos em processos intermináveis de desequilíbrio.

 Ter o nosso lugar, único e intransferível é a consequência direta da primeira lei sistêmica ou lei do amor: a lei de Pertencimento. Ao nascermos pertencemos, e qualquer tentativa de nos excluir, de nos negar o nosso lugar de direito, funcionará como um “ponto de inflexão” na gráfica das vidas sistemicamente involucradas, a partir do surgimentos de conflitos ou emaranhamentos dos quais se desconhecem as consequências, mas sem conseguir exclusão alguma. 

 Para uma melhor compreensão do significado de “estarmos no nosso lugar”, nada melhor que usarmos de exemplo, um dos emaranhamentos mais comuns e tremendos que observamos nos temas de constelação, expresso na afirmação e no sentimento do consulente que diz:

“Eu não quero meu Pai... Eu gostaria de que meu Pai fosse outra pessoa... ele nunca se comportou como um Pai e sofremos muito... de mais... na mão dele”.

 Se pudéssemos trocar esse Pai..., se fosse outra pessoa, estaríamos falando de uma realidade alternativa e não desse filho, pois este teria uma outra carga genética, uma outra família, uma outra circunstancia e outro contexto. Não estaríamos falando dessa família, daqueles Pais, daquela infância e daquelas histórias... Estaríamos falando de outras pessoas ou, em todo caso, de uma fantasia... E não se pode validar nem resolver a dor desse filho dentro de uma fantasia.

Não podemos substituir a aquele pai, como quem substitui uma lâmpada queimada... O lugar dele é intransferível... é só dele. Tem direitos e obrigações que só ele poderá exercer ou que só ele poderá assumir, pois se trata da sua própria história, suas próprias circunstâncias dentro das quais achou estar tomando as melhores decisões e ter feito suas melhores escolhas. 

Tanto é assim que o filho é a sua continuidade histórica e na sua herança, carrega 50% da herança paterna. O filho é 50% seu pai.

 O que significa então, estar no nosso lugar neste exemplo?

 Bem.

Por mais que seja complicado, estar no seu lugar possui dois pontos de vista que necessariamente devem ser compreendidos: o ponto de vista do Pai e o ponto de vista do filho; compreendidos até podermos chegar à conclusão, de que esses dois pontos de vista, na realidade é um só, e é precisamente a origem da incompreensão que gera o comportamento do pai e a dor atual no filho.

 Vejamos com atenção.

Para o Pai, estar no seu lugar foi ser quem foi e do jeito que foi. Na prática da filosofia sistêmica não há certo nem há errado. Há o que há, e fora disso, “há razões que o coração desconhece”. Ele, o pai, estava no lugar que podia estar e agiu do jeito que lhe foi possível.

Compreenda!! Não há como mudar essa história. Nem o relógio anda para atrás, nem podemos reescrever a biologia. Não podemos arranjar os fatos nem as consequências das experiências do passado segundo o nosso desejo ou necessidade.

Isso é mais que obvio!

 Mas, dentro de uma revisão do passado da vida desse pai e de um filosofar inconsequente, poderíamos projetar na nossa imaginação uma certa expectativa ideal. Assim, para esse pai, estar no seu lugar, também poderia significar ter tido uma atitude e um comportamento que contemplasse o papel sistêmico de ser o Pai daquele filho, de ser esposo daquela esposa, de ocupar um lugar de responsabilidade dentro da sua comunidade.

Ou seja: ter tido a percepção da sua própria rede de relacionamentos, e compreendido que as origens das suas dores, dos medos e das suas limitações, não são inteiramente suas, e não necessariamente deveriam ser passadas adiante para as novas gerações, e que pelo contrário, poderia ter agido diferente, evitando repetir padrões e ao mesmo tempo resolvendo antigos emaranhamentos familiares, contribuindo assim para uma outra realidade, mais feliz e proveitosa.

 Só que as dificuldades que esse pai enfrentou na sua vida, pelas tarefas sistêmicas que a consciência de grupo lhe assignou desde seu nascimento, pela sua história que chega desde muitas gerações anteriores a ele, pelas circunstancias e pelo contexto que lhe tocou viver, não permitiram essa percepção. Não soube como fazer diferente a como fez. Carregou com a sua dor e com seu vazio da forma que lhe foi possível; bateu no peito e fez, do jeito que pode, do único jeito que as sus circunstâncias permitiram.

 O interessante é que ele fez... o suficiente. (É esta uma outra palavra que deve ser compreendida dentro do novo paradigma... mas... não agora).

 Desde o ponto de vista do filho, O pai fez tudo errado e não merece ser seu pai.

O filho olha para o Pai com absoluto desconhecimento da história do seu pai, das suas dores, dos seus sofrimentos, de todas as circunstancias antes mencionadas e simplesmente julga e critica, desde uma altura e desde um poder que ele mesmo se assigna. Desde um lugar que ele mesmo cria, fantasiosamente, se colocando por cima dos seus maiores e transgredindo todas as leis sistêmicas.

 Com a exigência de querer um outro pai, ele tropeça na sua carência e na sua cegueira e cria sua própria fantasia, que á de querer outro pai, como se isso fosse possível, em um movimento de exclusão do seu verdadeiro pai.

Sai do seu lugar na rede, sai do seu verdadeiro e único lugar de filho, na grade dos relacionamentos familiares.

 O filho pode achar que merecia mais do seu pai, mais, o fará sem perceber que não poderia receber do seu pai, algo que seu pai não tinha.

 Fora disto, e independentemente de achar que na sua vida ele merecia mais do seu Pai, o filho, assim como todos nós, é um ser em evolução.

Como filhos, nascemos em simbiose com a mãe, em geral apreendemos a dualidade com o Pai, crescemos, experimentamos, e passamos por várias etapas, que se podem resumir de várias formas, como por exemplo, através das etapas de desenvolvimento ou através dos 5 círculos do amor de Bert Hellinger.

 Em tanto crianças, só recebemos dos pais e isso faz parte da natureza de ser filho.

Mas com ou sem amor dos pais, com ou sem seus cuidados, com adversidades ou privilégios, do jeito que for, continuamos avançando no nosso caminho evolutivo, até termos a possibilidade de deixar de ser crianças, até sermos adultos. Preferentemente adultos sem traumas, e, durante a caminhada da vida, iremos descargando pesos mortos feitos de más lembranças e curando mágoas, traumas e tristezas, quaisquer que estas sejam. É isso ou ficar incompletos e enfraquecidos.

 Vamos nos permitindo apreender a ser indivíduos que assumem responsabilidades e projetos, e que se preparam para, dentre outras coisas, formar uma família e passar a vida adiante nos futuros filhos.

 E de pronto, nos vemos diante da possibilidade histórica de escolhas; de optar por continuar na inercia dos sistemas de crenças familiares, repetindo padrões, nos desviando da lúcida proposta de viver sem criar consequências negativas para nós e para a nossa família, ou, de uma outra forma, optar pela possibilidade de “perceber a nossa própria rede de relacionamentos, tal qual ela é, e compreender que as origens reais  das dores, dos medos, das minhas limitações, não continuarão me maltratando se é que não o permito, e que pelo tanto estas macelas não necessariamente deveram ser passadas adiante para as novas gerações, pois naturalmente possuo a possibilidade de “fazer diferente”, de me perceber, de ser consciente e de me transformar, para contribuir para uma outra e melhor realidade familiar, mais feliz e proveitosa”.

E não é acaso, o fato de que esta já era uma opção presente, nas perspectivas e possibilidades que seu pai tinha... alguns anos antes.

 E falando de perspectivas...

O pai, desde a perspectiva que o filho deveria ter, estava no seu lugar, pois não teve outra opção naquelas circunstancias. 

Mas o Pai, desde a perspectiva sistêmica, estava fora do seu lugar, olhando para as causas da sua dor e das suas limitações, onde queira que estas estivessem naquele momento, assumindo o peso e a tragédia da falta de amor, de ter sido também um esquecido, de ter se sentido excluído da sua própria família, assumindo para si responsabilidades que nunca foram dele, e com isso, deixando de ver para o seu lugar de pai, de esposo, e, estando fora do seu lugar, impossibilitado de poder exercer seu papel sistêmico de pai.

 O filho desde suas necessidades, está no seu direito de sofrer. De reclamar e ocupa o lugar de uma criança que julga o que desconhece, que condena e exclui; todas estas, transgressões que lhe conduzem ao desequilíbrio e ao desamor.

 Todo isto se é realmente uma criança. Mas saí totalmente do equilíbrio quando deixa de sê-lo. Se é um adulto.

Seu lugar na rede de relacionamentos familiares, como adulto, lhe outorga um lugar de privilegio para crescer e evoluir, lhe dá uma perspectiva como para deixar para atrás o que pode e deve ser deixado para atrás, lhe dá um excelente marco de referências como para ressignificar histórias, sentimentos, presencias e ausências do passado, para se continuar na realidade atual, nos seus relacionamentos sistêmicos, e carregado de energia de vida, valorizando cada partícula do presente para dar-lhe sentido e direção à vida que carrega.

Avançar na intensão de se concluir melhor.

 Tenha em conta que nem sempre as soluções são possíveis. Nem sempre podemos assentir o que foi e como foi, e a maior parte das vezes é por não estarmos preparados para tal façanha. Então é fundamental se dar o tempo necessario, sem se esconder da luz.

 Estarmos no nosso lugar não é fácil!

Mas, por outra parte, estar no seu lugar significa ser e estar consciente.

Não sendo indivíduos soberbos, ignorando a priori a nossa imensa ignorância, e sim seres que caminham pelas ondas da vida com a sabedoria e a força de todo o nosso sistema familiar e com a humildade de quem, ainda que não tenha todas as respostas, sabe que elas estão aí, pois estando no nosso lugar, conduzimos, porfém, e é o mais importante, nos deixamos conduzir por uma Força Maior. Você lhe dá o nome que achar mais apropriado.

 

Um fofrte abraço a todos,

Muita luz, ...até!

  


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