ESSÊNCIAS FLORAIS EM PEDIATRIA

 p. Daniel Héctor Della Valle Cauci


Faz pouco tempo fizemos uma releitura das terapias florais, que basicamente não tentava mudar nada, mas sim adequar algumas ideias dentro do meu trabalho e do trabalho de outros terapeutas que pudessem se identificar com a nossa reflexão.

Porém, dirigindo a atenção à terapia floral aplicada às crianças, acho saudável poder sugerir um ponto de vista diferente, principalmente, quando se trate de uma intenção terapêutica que tenha como ponto de partida a visão e a filosofia sistêmica.

Nesse sentido, partimos da base de que, tudo o que existe na nossa mente emocional e racional se nutre dentre outras coisas do que somos, da herança familiar sistêmica que carregamos, dos ensinamentos que extraímos das nossas experiências de vida e da forma como nos relacionamos com o meio através da consciência pessoal.

A construção do que somos como indivíduos, quase sempre está pautada por cuidados e dedicação amorosa. No entanto, em geral, seja de forma velada ou evidente, também está pautada por sistemas de crenças, por estruturas arcaicas e afinidades desequilibradas. Desta forma, uma grande quantidade de patologias mentais, emocionais ou de personalidade descritas teoricamente, resumem-se, ao vivenciado na primeira infância, como consequência das mais variadas e mal compreendidas inter-relações, principalmente, familiares.

Por outro lado, individualmente, estar ao serviço do nosso sistema familiar, não se enquadra exactamente naquilo que seria uma tarefa voluntária. Ao contrário, estar a serviço da família sem saber porque, sem ter, aparentemente, culpa nem parte dos conflitos ou emaranhamentos dos ancestres, em primeira instância, antes de compreender e concordar com a visão sistémica e incorporar a sua filosofia como a nossa própria filosofia de vida, poderia se sentir como um grande peso, ou mesmo como uma "condenação".

Situações que se sentem como vergonha, ansiedade, tristeza, raiva, inquietação ou muitas outras alterações mentais e emocionais nas crianças, podem ser explicadas nas relações complicadas e fora dos padrões sistémicos do amor, que surgem na primeira infância, desde à gestação ou mesmo desde antes, desde que surge por primeira vez a ideia de ser mãe ou de ser pai nos nossos pais.  No entanto, segundo as constelações familiares, é na primeira infância e até aos 12 ou 13 anos, que a criança assume,  sem qualquer participação consciente, as tarefas que o sistema familiar lhe pede, como  exigência irrecusável  da consciência do seu grupo familiar.

Em base a isto, o ser humano pareceria estar em desvantagem já nos primeiros anos de vida, pois há uma parte de ele mesmo que não é perceptível na sua “construção”, nem por ele, nem pelos seus pais ou responsáveis, salvo quando estes já partilham da visão holística ou sistêmica e a botam em prática na educação dos seus filhos.

Desta maneira, ter a visão holística e sistêmica, aplicá-la no dia a dia, compreender o significado de estarmos no nosso lugar e nos permitir fluir no assentimento de sermos parte de um movimento muito maior que aquele que percebemos, nos permite ser muito mais assertivos nas escolhas e decisões, e, como pais, ter as ferramentas que considero as mais importantes para a educação dos nossos filhos, carregando só o essencial, evitando a repetição de padrões, e achando naturalmente soluções sistêmicas no processo do viver de forma muito mais consciente.   

Sem esta visão, em geral, temos em conta aquilo que é mais evidente para explicar os desequilíbrios dos nossos pequenos, e, acabamos por aceitar às explicações do modelo médico de atendimento em saúde como única saída. Mas, a Medicina não é uma ciência exata.

Com ela, podemos chegar a soluções, soluções parciais, as vezes satisfatórias ou suficientes. Mas em outras ocasiões, as soluções não chegam tão longe na recuperação da saúde, ou, até, podem ser prejudiciais para a saúde e os direitos das crianças que apresentam desequilíbrios emocionais. Estamos falando dos direitos sistêmicos dessa criança.

A busca por uma solução para problemas emocionais seguindo o padrão clássico de doença mental ou desequilíbrio emocional, geralmente embarca em uma jornada rumo ao alivio e a iatrogenia.  E isso acontece porque há pouco por trás das especulações teóricas que não levem em conta os verdadeiros parâmetros do desequilíbrio.

Para a Medicina o que vale é o que surge como resultado dos exames, na forma de números e estatísticas. Para a terapia natural e sistêmica, existem uma boa quantidade de dados que se percebem sem ser medidos matematicamente... dados que nenhum reativo ou matriz revelará na sua magnitude humana.

Quando só e unicamente procuramos desequilíbrios químicos nos tecidos ou nas sinapses para explicar o que acontece em nossas mentes ou emoções, estamos procurando respostas a metade do caminho… na verdade... um pouco antes de chegar à verdade.

A procura de doenças leva às doenças ou a situações sintomáticas que não possuem uma clara explicação, mas, antes das doenças, existem os desequilíbrios e as disfuncionalidades, e por trás destas uma situação de crise ou desgaste que dificilmente se observa e menos ainda, se tem em conta.

Ao procurar a química para a solução dos desequilíbrios emocionais, além do fato de ter certeza de que ela não nos permitirá encontrar uma solução permanente, exceto em alguns poucos casos específicos, tiraremos de nós a oportunidade de aprender com nossas próprias experiências de vida. E sendo que aprendemos principalmente das experiências dolorosas (ou pelo menos das difíceis) devemos ter em conta que remédios para dormir, alteradores da consciência, ou aqueles que mitiguem a dor, e em fim, todo “remédios” que em geral só posterguem a compreensão das circunstâncias, nos tirarão do foco do que é importante, tirarão de nós a possibilidade de crescimento e com ele, a oportunidade de nos curar.

Não se trata de ser radical e negar o tratamento Médico. De jeito nenhum. Se trata de achar um equilíbrio apropriado, e não simplesmente partir para a química, negando o próprio potencial de cura que todos nós temos.

O tratamento que buscamos como naturoterapeutas sistémicos, na hora de acompanhar crianças com desequilíbrios emocionais, não é aquele que encontramos no modelo biomédico, principalmente aquele que se dedica a combater os opostos. Não é o de enfrentar doenças e desequilíbrios como em uma guerra de braços, e sim, aquele que acaba nos levando à memória de saúde do nosso organismo, a caminhar na direção da energia da vida; a reintegrarmos a nosso sistema, mas... harmonizado, ressignificado a partir de tudo aquilo que é realmente essencial para nós e para os sistemas aos quais pertencemos.

Todas estas palavras podem parecer vazias e até fantasiosas para muitos. Algumas pessoas pensam que falar sobre energia, autoconhecimento ou vibração é se perder em fantasias espirituais.

Embora tenha passado o tempo em que tudo era jogado no saco da Nova Era sem consideração, ainda há muita caça às bruxas dentro do desprezo cientificista. Mesmo quando a própria ciência fala de consciência quântica ou quando está mais do que provado que a matéria é praticamente todo espaço vazio, fundamentalmente composto por campos de força e energia.

Continuamos a pensar em termos de reducionismo e mecanicismo, quando já faz tempo que a teoria sistémica, comprovadamente tomou conta do espaço de toda compreensão sobre qualquer estrutura organizada.

É por isso que pensar em explicações químicas ou remédios químicos para desequilíbrios emocionais ou mentais em crianças, e não de outras opções como terapias principais ou simultâneas, acaba sendo um desperdício de energia e tempo para a terapia real e necessária na maioria dos casos.

Atalhos sintomaticamente eficientes são tomados para aliviar a dor ou o vazio, removendo da área do consulente qualquer possibilidade de ele mesmo intervir no seu processo de cura[i], com as ferramentas que ele já possui, mesmo que não saiba; com o pertencimento e o vínculo fenomenológico que só ele mantém sob sua pele, e que pode ser acessado com um pouco de ajuda e... claro!... sem química.

Nosso esforço, inclusive pode procurar o alivio dos sintomas, não há porque descartar essa possibilidade, mas, isso sempre na perspectiva de fazê-lo conjuntamente com um tratamento profundo focando nas suas causas. Mas na prática diária, o que se vê é que a terapia tradicional permanece ancorada na terapia medicamentosa sintomática, sem fazer quase nenhum movimento na direção do centro da questão; sem chegar às suas causas.  E disso, não escapam muitas das propostas terapêuticas naturais ou vibracionais que hoje são oferecidas.

Exemplos chocantes podem ser encontrados em casos como na esquizofrenia, autismo moderado a profundo, TOC, TDAH e outros, como em situações que podemos considerar mais leves, como ansiedade, depressões, angústia, autoexigência e perfeccionismo, por exemplo. 

Muitas crianças e jovens em idade escolar tomam remédios muito fortes e não para melhorar suas patologias, mas sim para que não incomodem aos outros.

As instituições de ensino não estão preparadas para receber estes alunos e não é culpa dos alunos… é uma falha do governo a ser corregida.

Vemos crianças e jovens tomando remédios fortíssimos para que os professores possam dar as suas aulas com calma e sem interrupções. Mas, os professores não são repositores de supermercados, nem juízes da alma e razões dos seus alunos, e sim profissionais que necessariamente trabalham com um elevado padrão de responsabilidade humana, com seres humanos que estão em formação e não apenas nas áreas de matemática ou literatura; seres que são o futuro, e que deveriam ser contemplados em suas dificuldades. Só que isso não é percebido pelos gestores das políticas que conduzem à educação.

Crianças e jovens que tomam remédios muito fortes para que seus pais possam ter uma vida social e pelo menos descansar um pouco da tarefa de cuidar de seus filhos, "como todos os pais merecem", tirando do foco o protagonismo direto ou indireto que eles mesmos têm e sem perceber que seus filhos, estão naquela circunstância, não exatamente porque querem   ou por tê-lo escolhido.

Até por uma falta de informação, permanecem sem perceber, que seria mais fácil encontrar as respostas para os problemas de saúde que seus filhos necessitam, em suas próprias histórias familiares ou mesmo em seu próprio comportamento.

As essências florais de Bach, são uma excelente ferramenta para focar nos assuntos essenciais, e por tanto, podem ser uma ferramenta excelente quando se trata de ajudar no autoconhecimento e para descobrir o que está oculto por trás de relacionamentos aparentemente normais. São tão boas, que as vezes as usamos para aliviar, nos momentos mais difíceis, até nos convencer de que está tudo certo.

No entanto, o intuito da terapia floral, nunca foi o alivio e sim a transformação.

Mas, se no começo partimos da base de que quase tudo em nossa mente, nas nossas emoções e na nossa personalidade, está pautado pelo contexto histórico familiar herdado, a obediência e sumição à consciência pessoal e a incidência e interação do e com o meio…

Como trabalhar coerentemente com as essências florais quando se trata de crianças?

Qual deveria ser a estratégia?

Como interferir ou não interferir no processo pessoal da criança, na tentativa de ajudar apropriadamente a quem como neste caso sofre desequilíbrios sem pedir ajuda (a criança sempre é conduzida), sendo que ela nem tem consciência cabal do que está acontecendo com ela?[ii]

Primeiramente a terapia floral em crianças, não pode deixar de ver para o sistema familiar todo, que é onde estão as verdadeiras causas dos sintomas e desequilíbrios dos mais jovens. Por tanto, não é pouco comum que a terapia floral deva incluir aos pais ou esclarecer seus responsáveis.

O tratamento destas crianças, começa na percepção que os pais devem ter, do seu próprio sistema familiar. No caso de se tratar de responsáveis, adopções ou de famílias mistas, e fundamental que cada quem conheça seu “lugar” dentro da ordem familiar, e exerça o papel que lhe corresponda no particular equilíbrio dentro da rede de relacionamentos do sistema familiar. Só colocando o sistema em ordem e em equilíbrio, a criança ou jovem poderá ser respeitado e munido, aos poucos, das ferramentas emocionais e sistêmicas que lhe permitirão pertencer com saúde a seu sistema familiar.

Em quando à criança em si, para o tratamento floral é necessário que na hora de confirmar os estados emocionais que demandam atenção, se possa separar apropriadamente aquilo que é e o que não é da criança. É dizer, separar as causas que geram o desequilíbrio, aquelas que pertencem ao sistema e não podem ser dirimidas na própria criança em tanto criança. Estas, necessitam de soluções sistêmicas que não podem acessar-se só pelo uso de florais. E por outro lado, compreender as outras situações, as que geram o sofrimento infantil ou juvenil e até mesmo barram a capacidade de compreensão da sua verdadeira situação, e a possibilidade de continuar seu crescimento e evolução que é o que lhe possibilitará achar por si, as soluções sistêmicas para seu grupo.

As terapias naturais e vibracionais através das essências florais deveriam se ater a estes novos parâmetros, se quiserem permanecer evoluindo como ferramentas de cura e autoconhecimento.

Já não é possível olhar só para o indivíduo, e quando o fazemos, flertamos com a possibilidade de cair em erros grosseiros dos quais a filosofia sistêmica nos adverte de forma clara.

A percepção da realidade do consulente por parte do terapeuta floral, deve observar a realidade do consulente.

Ficar na percepção da criança sem ter em conta a rede de inter-relações que o conduzem e o influenciam, sem ter em conta o que pesa na sua consciência pessoal, sem compreender tudo o que lhe dá segurança, só por pertencer a essa família, e pela qual é capaz de fazer sacrifícios independente de preços ou tamanhos… não é uma atitude responsável do terapeuta sistêmico.

Olhar para a criança que necessita de ajuda floral, sem ter em conta as tarefas familiares herdadas de reinclusão, de reintegração de excluídos através das soluções sistêmicas que ele e seu entorno deverão achar no seu momento… não é uma atitude possível.

A criança que necessita do apoio da terapia floral, está refletindo em seu corpo, nas suas reações, nos seus medos, o que acontece na sua família, ou mais exatamente, o que acontece no seu sistema Familiar.

Daí que erguer uma terapia para o tratamento do corpo e as emoções de uma criança sem a correta compreensão do seu contexto sistêmico e do seu momento evolutivo, se transforma facilmente em uma armadilha, que o terapeuta muitas vezes se vê tentado a experimentar incoerentemente em nome da sua própria necessidade de ajudar.

 



[i] Ou, como acontece com as crianças, contar com a ajuda sistêmica dos seus pais.

[ii] A Criança e mesmo os jovens estão aprimorando as formas nas quais interagem com oas demais pessoas e nem sempre tem a capacidade de perceber que sua vida depende das circunstancias, mas principalmente do seu protagonismo, das suas escolhas, suas renuncias e das suas consequências.

 


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