REFLEXÃO E HISTÓRICO DA RELAÇÃO MÃE/FILHO

 p. Daniel Della Valle

para o relacionamento mãe/filhos, de forma genérica, é para mim uma instância de reflexão, contribuindo de cheio para focar na atenção leve e constante que temos que ter sobre os nossos relacionamentos, na medida em que trabalhamos para nós concluir como pessoas e fundamentalmente como filhos.

Dentro da família e no marco teórico das Constelações Familiares, o Pai e a Mãe são iguais. Ambos disfrutam do seu pertencimento, possuem uma relação hierárquica igualitária e se relacionam em um equilíbrio entre dar e receber específico, que mantem vivo o amor, a dedicação e o cuidado de um pelo outro. Mas, dentre eles, a troca, o equilíbrio dentre dar e receber, não pode ser igual.

Ao se relacionar como casal, eles integram campos familiares e estabelecem uma nova família, em um processo de aprendizagem, sujeitos a uma força superior que ainda os mantem a serviço dos seus próprios campos e agora, do novo.

Assim como existem amores e lealdades e tantos outros componentes trazidos ao novo campo desde os anteriores, os novos padrões e regras que fazem possível a nova família exigem também de lealdade e do amor que, para que o casal exista e seja possível, deve ser constantemente alimentado. Isto é o que diferencia uma relação de amizade de uma relação de casal: Na relação de amizade, a troca é um por um; é equivalente. Se meu amigo me dá dez, devolvo 10 e tudo está bem. Na relação de casal o equilíbrio só funciona efetivamente quando cada parte dá sempre um pouco a mais, mantendo sempre uma relação equilibrada, por amor e respeito, e onde eventualmente a troca admite ser particularmente negativa, quando se faz necessário nivelar a doação.

Pai e Mãe são iguais na relação hierárquica perante os filhos e dentro da nova família. Ambos são doadores da vida; ambos a fizeram realidade e, nos filhos eles estão presentes numa proporção herdada de 50 e 50%.

O que as constelações familiares mostram, é que fora de definir esse contexto para os filhos, a forma específica em que mãe e pai influenciam e contribuem para a construção dos filhos como pessoas é bem diferente.

Assim como em sociedades primitivas, Pai e Mãe possuem funções. Existe uma divisão de tarefas que só podem ser definidas e compreendidas dentro de cada família.

E dentro dessa divisão de tarefas, existem as responsabilidades sistêmicas; aqueles papeis desempenhados por ambos cônjuges, e aqueles que são geralmente vivenciados pela mulher ou pelo homem... como é o caso de dar a vida pelo seu ventre e contribuir determinantemente para o sucesso e a felicidade dos filhos, ou conduzir e apresentar os filhos ao mundo, respectivamente.

Agora... A célula base da sociedade, formada por Pai, Mãe e filho, célula que rege na filosofia das Constelações Familiares Sistêmicas, nem sempre teve essa composição. Na sociedade primitiva a consanguinidade reconhecida existia no filho que nascia da sua Mãe, em tanto que o pai permanecia geralmente desconhecido. Isto porque a sexualidade existia em base a afinidade ou preferência do momento. Também, o cuidado dos filhos era uma tarefa coletivizada.


Nas suas origens, a descendência certa do filho desde sua mãe, foi a semente do que hoje conhecemos como família. Naquele tempo, o pai permanecia anônimo.

Atualmente, nossa sociedade e nossa cultura admitem como equilibrada a família formada por Pai, Mãe e filhos, e o certo é que esta evoluiu até a atualidade, a partir de uma incontável quantidade de adaptações sociais, culturais, históricas e materiais, desde aquele primeiro esboço de convívio e distribuição de tarefas por idade e por sexo, que tem sem dúvidas mais de 1 milhão de anos.

A partir de tudo isto, se observa que o laço relacional Mãe/filhos é primário e mais antigo que o laço Pai/Filhos que surge depois, decorrente da necessidade de certificar parentesco. Mesmo assim, de uma forma ou outra, os filhos sempre receberam 50% da carga genética paterna assim como o 50% da carga genética materna.

Nas primeiras agrupações, a relação de parentesco era inexistente e a união em grupos se realizava por motivos práticos e naturais e não na base de ligações afetivas. As ligações familiares afetivas são na realidade coisa moderna.

Isto já faz da relação Mãe/Filha uma relação especial. Até porque se trata de mulheres que chegam a ser mães para criar mulheres que mais tarde, também serão mães que criaram mulheres, em um ciclo constante de influência feminina sobre o feminino.

O estudo antropológico destas questões da origem ao que podemos chamar de família, e é um tema vasto que ainda se discute, em termos que para os leigos são quase que incompreensíveis, pois os diferentes arranjos possíveis para compor o que se denomina família, são tantos e tão dispares em países e culturas diferentes, tanto em base ao biológico, à familiaridade ou parentesco, como no social e cultural, que se trataria de uma tarefa hercúlea.

Mesmo assim, para as Constelações Familiares, importa o que sucede nas famílias e suas consequências e não como foi que chegamos a ela. E para o constelador, o modelo base, é a família clássica da nossa sociedade e não outra.[i]

Ainda, toda esta informação é interessante, para melhor compreender a ligação diferente que existe entre mãe/filho (e ainda Mãe/Filha), em comparação com a ligação pai/filhos, sem que esta deixe de ser fundamental. Pois com a evolução da relação biológica desde as “cabernas”, até o conceito de família atual na nossa cultura, o papel da mulher, passa desde um terreno de igualdade funcional, intrínseco da natureza humana, a ser quase uma propriedade masculina, a partir do predomínio atual da monogamia por razões de ordem econômica, moral e religiosa, segundo nos diz o Antropólogo e filósofo Belga Lèvi-Strauss.

Essa “transformação” da mulher define que, em diante, a relação Mae/Filho e a relação Mãe/Filha, originalmente sem distinções, se diferenciem pelas necessidades do papel social e cultural que filho e filha terão que exercer na idade média. O filho se criara para o mundo. A filha se criara para o homem.

Se bem as coisas mudam (e é evidente que estão mudando), o período histórico em que esta diferenciação se praticou foi grande demais em relação ao tempo necessário para chegar às mudanças atuais, ainda que existam resquícios de patriarcado e de mulher objeto na nossa cultura e na atualidade.

Dentro de uma evolução complexa, inicialmente, mãe e filho mantinham uma ligação biológica que aos poucos e em um processo que levou muito tempo, foi gerando laços afetivos e aquele vínculo mãe/filho do qual tanto temos falado. Todo contribuiu, e ainda mais na medida em que o papel da mulher foi mudando na sociedade, já que, nesta nova “etapa” da mulher dentro do patriarcado, esta foi conduzida à dedicação quase que exclusiva da criação dos seus filhos, o que, por um lado, a fez focar muito mais nesse mundo feminino e da maternidade, e por outro, afasta de vez ao Pai e o mantém num papel secundário e preponderantemente social.

Agora bem, tudo o que reflexionemos em relação ao papel do filho, na relação Mãe/Filho se aplica ao papel sistêmico da Filha dentro do relacionamento Mãe/Filha. Mas, na relação existente dentre Mãe/Filha achamos uma diferença apontada por Bert Hellinger que não pode passar desapercebida.

No Livro, NO CENTRO SENTIMOS LEVEZA” do ano 2004, Ele diz:

“Portanto, a ordem do amor entre o homem e a mulher envolve também uma renúncia, que já começa na infância. Pois o filho, para tornar-se um homem, precisa renunciar à primeira mulher em sua vida, que é sua mãe. E a filha, para tornar-se uma mulher, precisa renunciar ao primeiro homem de sua vida, o seu pai. Por essa razão, o filho precisa passar cedo da esfera da mãe para a do pai. E a filha precisa retornar cedo da esfera do pai para a da mãe” ...

Este apontamento de Hellinger, confirma mais uma vez como são diferentes os relacionamentos Mãe/Filho e Mãe/Filha.  

Dentro de uma família que poderíamos chamar de “ideal”, os filhos nascem e crescem nos primeiros anos, na área de influência da mãe. Pouco depois, a mãe conduz os filhos para o Pai, Os filhos começam a olhar para o pai e a descobrir suas qualidades, e por sua vez, o Pai trará novas dicas e ensinamentos para quando seja o momento, os filhos irem para o mundo e para a vida.

Para o Filho a aproximação do pai é determinante. Simplificando, ele necessita do seu pai, porque necessita aprender as coisas que lhe faram ser homem. Em equilíbrio, o filho necessita dessa energia. Então, o filho permanece na influência do pai…

No entanto, a filha, necessita voltar a Mãe, para aprender aquilo que lhe fará ser mulher. Para beber de toda essa energia feminina.

Esta dinâmica é muito intensa e ao mesmo tempo sutil, dependendo inteiramente das características familiares. Nada disto é uma regra. Dizemos, não entanto, que seria melhor que fosse assim..., seria o desejável. 

Mas, o fato é que a relação mãe filha é muito mais complexa, e, naturalmente, a mãe continuará influenciando sua filha. Toda filha se torna mulher através da mãe, ou seja, no assentimento da mãe, e é na mulher que se continua a vida.

A subversão das leis sistêmicas sempre trará conflitos e desencadeará emaranhamentos.

Mas as consequências das transgressões a estas leis, de não serem resolvidas, prejudicarão muito mais, quando estas acontecem no seio da relação Mãe/Filha, já que estas perturbam mais diretamente o equilíbrio na continuidade da vida, através do conflito no feminino.

Na prática isto se pode ver e sentir.

Nas famílias achamos muitos mais casos nos quais os pais que estão emaranhados com suas famílias, se afastam, traem, se viciam, abandonam, formam outras famílias. Poucas são as vezes que ficam com seus filhos.  Ao mesmo tempo, são maiores os casos em que a mãe, que não conseguiu administrar suas relações sistêmicas familiares, permanecendo perto dos filhos, os influencia, por vezes de uma forma pesada, e acaba por passar adiante, para os filhos e netos, a responsabilidade de ter que resolver as tarefas pendentes no campo familiar. Insisto mais uma vez, não é esta uma sentença ou verdade absoluta nem uma afirmação que necessita ser explicada. É o que se vê na prática, como consequências dos problemas na inter-relacionalidade familiar.

O pai, que representa o espiritual e o relacionamento com o mundo, quando em conflito... se afasta, geralmente deixando traumas e um vazio.

A Mãe, que representa o físico, o emocional, o específico, permanece. Se agarra... provoca a ação “por amor” e o sacrifício dos filhos.

Em definitivas, as relações Mãe/Filho e Mãe/Filha, são diferentes, sendo a relação Mãe/filha muito mais complexa. Repito. Observe que estamos falando do que se observa como consequências dessa relação, sem sequer tentar dar uma explicação.

Também foi observado que a relação Mãe/filho, é mais antiga e forte que a relação Pai/filho. E tudo isto pesa e muito, dentro do conceito de campos morfogênicos, na estruturação da unidade familiar, tal qual a conhecemos hoje. Pesa na construção dos arquétipos e na expectativa do papel que cada um terá que exercer.

Na prática, isto não é mais que uma reflexão... um pensamento “em voz alta”, pois cada um dos possíveis cenários, estará sujeito às características únicas e irrepetíveis de cada família, e não é possível definir quanto de mim mesmo, se reflete netas linhas.

 



[i] Coisa que todo constelador deve ter presente, pois ao se conectar com o campo familiar, deve “ver” esse arranjo “família” da forma correta... como ele é realmente e não aplicando um modelo estático e sem vida. 


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