A RELAÇÃO MÃE/FILHO EM DISFUNÇÃO (3): TRANSGREDINDO AS LEIS SISTÊMICAS

 p. Daniel Della Valle

As leis sistêmicas, base principal da filosofia sistêmica, estabelecem um contexto e uma ordem, mais que necessários para evitar uma existência caótica em sociedade.

Também observávamos que a relação que estudamos, dos pais e seus filhos e em particular a relação mães e filhos, é sem lugar a dúvidas o ponto de partida para a realização, a saúde, o êxito e a felicidade que possamos alcançar na vida. Ainda assim, no post anterior falávamos que se trata de uma relação díspar.

Vejamos!

Na lei de hierarquia por exemplo, podemos ver que os Pais são grandes, e os filhos são pequenos, em tanto que na particular relação dentre dar e receber, os pais só dão e os filhos só recebem. E a verdade é que sem a compreensão de tudo o que sustenta estas leis, nem sempre saberemos resolver estas “disparidades” sem gerar consequências, e, em todo caso, nem sempre teremos consciência de que, as “disparidades” só se resolverão, através de assentirmos como filhos dos nossos pais, e de assentirmos no nosso lugar e no nosso papel dentro da Família.

Na família e na vida, todos estamos evoluindo, dentro do possível, e, nem sempre de forma constante e uniforme, no melhor dos casos dissolvendo camada a camada os emaranhamentos do nosso campo familiar, em um processo que pretende ser circular e ascendente. No meio dessas tarefas é quase impossível não experimentar como doloroso aquilo que deve ser colocado em ordem, e cada dor, cada amargura traz em si mesma a possibilidade da percepção, da compreensão e da transformação. Assim tropeçamos em conceitos e sentimentos arcaicos; nas culpas e inocências, no medo de perder pertencimento, evitamos interagir para não gerar obrigações ou tal vez interagimos através de uma entrega e sacrifício maior, no impulso de um amor cego, na espera de um amor e reconhecimento que nos faça sentir conectados e pertencentes à família.

É nessa trama tão particular para cada família, que se insere a relação Pais/Filhos do nosso estudo.

No relativo ao pertencimento, falamos do pertencimento dos Pais e do pertencimento dos filhos. Desde a concepção existimos como filhos, até que mais tarde nos tornamos pais. Todos pertencentes à família e sem objeções. Nem os Pais podem ameaçar ou manipular aos filhos com a possibilidade de perder seu pertencimento, nem os filhos podem negar o pertencimento dos seus pais, seja qual for a situação ou a conformação dessas famílias. Se isto acontecer, trará consequências: Conflitos ou emaranhamentos.

E se bem em algumas etapas da vida e segundo a função, existirá uma “precedência”, pelas necessidades do momento, como nos casamentos recentes, na gravidez, dos recém-nascidos, nas pessoas idosas, assim como em alguns acidentes ou doenças, estas constituem excepções com regras próprias em relação a cada circunstância.

Assim todos pertencemos, mas, rijas, soberba, sistemas de crenças e atitudes infantis, assim como qualquer tipo de represamento da energia de vida na família, poderá servir de escusa para perder de vista ao outro, saindo do nosso lugar.

A transgressão à Lei da Hierarquia é outro bom motivo para emaranhamentos dentro da relação Pais/Filhos (e neste caso, da específica relação Mãe/Filhos).

Na realidade, as leis sistêmicas não deveriam existir como balizas de comportamento e sim como “o normal” dentro das relações. Quando existe a necessidade de lembrar que existe uma lei, é porque o equilíbrio já se perdeu. 

Mas, na Hierarquia geramos uma confusão danada, quando pais deixam de ser pais e filhos querem ser mais que filhos para seus pais.

Quando os pais procuram o auxílio constante dos seus filhos e lhes transferem responsabilidades que na realidade são dos pais, assim como em muitas circunstâncias, onde os pais pretendem ser “amigos” dos filhos, ou se colocam como “juízes” inflexíveis, se ferem ao mesmo tempo a relação hierárquica e o vínculo, e se sobrecarrega ao filho geralmente de forma traumática.

Quando os filhos acreditam saber mais da vida que seus pais e agem de forma altaneira; quando se comportam como pais dos seus pais, como irmãos ou como amigos dos seus pais, compartilhando assuntos que não lhes correspondem, se incumbindo de temas e assuntos que são da alçada exclusiva dos pais (segredos, sexualidade, histórias de relacionamentos afetivos anteriores, heranças etc.); quando se interpõem entre seus pais por qualquer motivo, haverá sem dúvidas transgressões à Lei da Hierarquia e isto se constituirá numa fonte de conflitos, doenças, fracassos e infelicidades.

Dentro da lei de Dar e Receber e como Consteladores, achamos três Padrões para a disfuncionalidade dentre Pais e Filhos e estes três padrões, não elucidam pôr se os processos psicológicos que os explicam nem as razões teóricas que os originam. São simplesmente padrões que surgem como consequência das dinâmicas disfuncionais reconhecidas na prática das Constelações Familiares.

Sobre isto e no mesmo livro, O Sr. Bert Hellinger nos diz:

“Tanto os pais quanto os filhos se sentem tentados a dar e a receber, o que prejudica o amor. São comuns os equívocos quanto ao que o amor permite, com consequências muitas vezes funestas. O fato de que o dar e receber, entre pais e filhos, não possa ser equilibrado por doações recíprocas pede que se busquem outras soluções.

Três padrões comuns de dar e receber, entre pais e filhos, são prejudiciais para o amor:

1. Os filhos se recusam a aceitar os pais como são.

2. Os pais tentam dar (e não deveriam) e os filhos tentam receber o que é prejudicial.

3. Os pais tentam receber dos filhos e os filhos tentam dar aos pais.”

Também nos diz:

... “Entre as coisas que os pais não devem dar e os filhos não devem tomar estão as dívidas, as doenças, as obrigações, os encargos de ocasião, as injustiças sofridas ou infligidas e todos os privilégios obtidos por mérito pessoal. São coisas que os pais conquistaram ou sofreram em virtude de esforços ou circunstâncias pessoais. Não foram herdadas da geração anterior para serem transmitidas à geração seguinte, como um espólio; por isso são de responsabilidade dos pais. Cabe a estes proteger os filhos de seus efeitos negativos, como cabe aos filhos deixar que os pais arrostem seu destino — da maneira que quiserem. Se os pais dão o que é prejudicial ou os filhos o tomam, o amor é ferido. ”

... “Outro tipo de consequência negativa é quando os jovens se julgam no direito às recompensas e privilégios de uma pessoa mais velha, sem os ter merecido.” ...

Segundo podemos ver, as relações disfuncionais, surgem em geral, na relação Pais/Filhos, das transgressões às leis sistêmicas e desordens do passado e eventualmente por transgressões desta geração, e é na falta de assentimento a tudo o que foi, como foi e pelo preço que custou, que nos vemos impossibilitados de resolver ou frear a continuidade do conflito.

O próprio Bert Hellinger propõe como caminho curto na solução dos conflitos sistêmicos, dois passos que, possivelmente sejam os mais simples e difíceis de todos os que um indivíduo possa dar dentro de um mesmo movimento de cura:

Assentimento e Renúncia.

No assentimento tomamos tudo o que é essencial. O incorporamos. O reintegramos. Dizemos sim a vida tal com ela foi e tal como ela é e como adultos e despertos, nos dispomos a “viver a vida” que temos na frente desde o nosso lugar e contexto.

Na renúncia, assumimos de fato a vida. Deixamos para atrás os reclamos, as queijas, as barganhas, toda e qualquer atitude de desconformidade com aquilo que a vida me oferece.

Dentro de um processo de conscientização e de espiritualização, através de assentimento e da renúncia, me ergo e dou passos segundo as minhas pernas e minha condição, seguro de que agindo a través da virtude e da não ação, e insisto, como adulto, terei a cada dia, melhores condições para ser.

Na renúncia deixo as pesadas malas no chão, me harmonizo e vou para vida, não como um ser novo e sim como um ser mais humilde e completo. 

 

Um forte abraço

Muita luz a todos!


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