A RELAÇÃO MÃE/FILHO EM DISFUNÇÃO (2): AS MUITAS FORMAS DE AMOR

 p. Daniel Della Valle

Dizíamos que a disfuncionalidade na relação Mãe/Filhos, começa sempre no amor... estranho... Não é?

É que há muitas formas que acreditamos sejam formas de amar.

Mas, confundimos o amor com identificação, com possessão ou até com um laço que amarra e submete.

O amor na “versão popular livre” pode ser todo isso. Pode ser enamoramento, paixão, arrebatamento… até uma simples qualificação para aquilo que para nós possa ser muito importante… Nós, nas constelações familiares sistêmicas, o compreendemos como algo bem maior; como a percepção do outro como um todo, como compreensão, gratidão e assentimento por ser o que é… O amor além de um sentimento maior, é o que nos permite observar o geral percebendo que esse tudo se encaixa naturalmente no seu lugar, onde se realiza e flui na vida.

Ao nascermos, como já dizemos, nascemos com o que chamamos um laço de destino com os nossos pais e familiares diretos. Essa é a primeira forma de amor, que ainda não é aquele amor espiritual. É um vínculo com aqueles que nos deram a vida e com todos os indivíduos que de alguma forma contribuíram para ser quem sou e onde sou. E esses laços de destino trazem para a criança influências e consequências, já que ainda muito dependente, a criança segue por estes laços os destinos dos maiores, principalmente dos pais, numa espécie de assentimento e amor implícito.

Os filhos procuram se parecer aos pais. Através de ver-se iguais aos pais, eles se sentem verdadeiramente pertencentes a sua família e, se parecer, ser como seus pais, inclui inevitavelmente ter que ver e experimentar a vida como eles. Os pais são como eles são pois possuem uma grande coleção de informações e experiências, e seu jeito de ser se fundamenta em experiências e sentimentos que o filho não tem. Na tentativa de ser como seus pais, os filhos vivem a sua vida com uma “caixa de ferramentas” que não se ajusta às necessidades destas circunstâncias, deste contexto, e assim, se geram atritos, desajustes e consequências.

 Além de seguir seus pais e sua família nas suas características, o observado na prática das Constelações Familiares é que:

… “o vínculo atua de uma forma que aqueles que possuem alguma vantagem, queiram assemelhar-se a aqueles que estão em desvantagem.” …

Isto é o que nos diz Bert Hellinger no livro “O amor de espírito na Hellinger Sciencia”.

… “Esse vínculo atua de uma forma que os saudáveis sentem-se responsáveis pelos doentes, os culpados, pelos inocentes, os felizes, pelos infelizes e os vivos, pelos mortos. Assim, muitas vezes aqueles que têm alguma vantagem em relação a outros estão dispostos a arriscar e renunciar à sua saúde, inocência, felicidade e sua vida em favor da saúde, inocência, felicidade e da vida de outros.” …

Este é o amor “cego”, que contribui para estabelecer os primeiros “laços” e gera emaranhamentos na família e nos relacionamentos horizontais. Especialmente em relação aos pais. Um vínculo de amor que obedece aos laços de destino que chegam junto ao pertencimento sem que possamos opor muita resistência.

Nas constelações se observa que o fato de que o consulente perceba esse vínculo de amor, esse amor de criança, é, muitas vezes suficiente para compreender que esse amor em realidade procurava um objetivo fantasioso e inalcançável, como é viver pelo outro, sofrer pelo outro… se sacrificar pelo outro.

Sua percepção faz que, o mesmo amor que conduziu ao desequilíbrio, agora conduz a harmonização procurando novas soluções. Só que agora já não se trata de um amor “cego”. Agora se trata de um amor inclusivo, com potencial como para promover um movimento de cura e de harmonização.

E de destacar que existe um salto qualitativo quando entramos no amor que cura, pois antes, o amor era pesado, difícil e inconstante. Mas, no amor que cura, a sensação é de que tudo se encaixa sem esforços; de que tudo é compreendido e de que tudo é como deve ser. Nele, os conflitos perdem sua força e sentido.

O amor, então, na dualidade do mundo manifesto, é um enorme portal que conduz à experiência da vida. Com sabedoria, pode nos conduzir a algo maior, que poderíamos chamar do “verdadeiro”. Como contraponto, se esse amor é clara ou disfarçadamente um amor menor, ele não terá a virtude de ser uma referência de estarmos no bom caminho da construção de um bom viver, e possivelmente, oferecerá atalhos, que com sorte, nos conduzirão à sobrevivência e não à plenitude. Pode ser um portal à disfuncionalidade, já que na relação Mãe/Filho, há incontáveis emoções em jogo e vínculos, que obedecem diretamente ao destino pelo pertencimento.

Mesmo assim, o “amor” sempre está latente por trás destas dinâmicas relacionais

 

AS MUITAS FORMAS DE AMOR

Há muitas formas de amor agindo como laços ou vínculos, catalisando as relações dentre Mãe/Filho assim como os demais relacionamentos dentro dos grupos familiares ou clãs.

O amor cego, o amor que adoece e o que cura, o amor interrompido, o amor infantil, o amor adotado, o amor gratidão e mais. E algum destes “amores”, dentro dos relacionamentos disfuncionais, agem “congelando-os”, “cristalizando-os” ou dando suporte para sua sobrevida, apesar das separações e as discrepâncias, represando energias e sentimentos em vez de exercer o verdadeiro papel do amor “verdadeiro”, que seria o de evidenciar e diluir aquilo que diminui a vitalidade e provoca conflitos.

As muitas formas de lhe damos ao “amor” são sem dúvidas um prato cheio que convida inebriantemente a nos sair do lugar, experimentando soluções não sistêmicas, e pelo tanto ineficientes, para sentimentos e emoções que necessitam de uma justificação.

 

OUTRAS FORMAS DE DISFUNCIONALIDADE

Já quando crescemos e nós descobrimos como indivíduos, a disfuncionalidade pode vir da mão de uma ou mais dentre as cinco formas de emaranhamento descritas por Bert Hellinger:

Triangulação; Parentificação; Identificação; Repetição e Substituição.

Todos estes movimentos e laços familiares se desenvolvem dolorosamente, de forma comum, silenciosa e invisível, sobre as bases e condições dos conflitos e emaranhamentos que a consciência grupal necessita resolver. Todos estes movimentos obedecem ao amor. E para que isto mude, os movimentos de cura, que levam à solução dos emaranhamentos para os quais estamos a serviço, requerem de uma tomada de consciência, crescimento e da disposição para uma transformação, que leve à ruptura com aqueles sistemas de crenças e velhas ordens sociais e familiares originais, justamente para que uma nova forma de amor se torne protagonista. Um amor ciente, maior, ativo e inclusivo.

Mais

De uma coisa podemos estar seguros. Os problemas e conflitos na relação Pais/Filhos na realidade não são pessoais ainda que assim se apresentem.

Sem dúvidas as dores e as angústias que estes nos levam a sentir são fortes e verdadeiras. Isso não se nega. Mas a razão da existência dessa dor, assim... personalizada nos nossos pais ou nos nossos filhos é uma questão de cegueira ao essencial. A dor existe porque só vemos o superficial numa relação que é disfuncional, estando fora do contexto e em médio de relacionamentos familiares desequilibrados. Se perde de vista o essencial, e assim, o que resta são regras rígidas, arcaicas e pesadas A razão da dor é na realidade a ausência de soluções verdadeiras aos problemas históricos e sistêmicos, que necessitam do essencial para compreender e assumir o que cada um dos integrantes da relação Pais/Filhos gerou ou carrega a serviço do seu campo familiar.

Bert Hellinger diz, no livro “A SIMETRIA OCULTA DO AMOR”, (Cultrix-1998), que

“O amor entre pais e filhos, como em outros relacionamentos, é condicionado pela união, pelo dar e receber, pela divisão adequada de funções.”…

Desta forma, não podemos deixar de ver, que na relação Pais/Filho se parte de uma “disparidade”.

Dentre Pais e Filhos não há igualdade. Pode haver amor, lealdade, união, funcionalidade e respeito…, mas não igualdade. Pais e filhos somos iguais no plano da espiritualidade, mas, aí onde acontecem as dinâmicas relacionais… não somos iguais.

Veremos mais de perto esta “desigualdade” no próximo post.

 

A RELAÇÃO MÃE/FILHO (3)

 

Um forte abraço a todos e muita luz!


Comentários