FILHO: SEU PAPEL SISTÊMICO, NA RELAÇÃO MÃE/FILHO (PARTE 2)

 p.Daniel Héctor Della Valle Cauci

PARTE 2

Agora, ser parte da alma familiar, significa no só pertencer a essa família. Significa que estará num papel que só ele pode interpretar, com responsabilidades e benefícios, independentemente da sua alma pessoal.

É papel do filho se engajar nessa família, aprendendo difíceis equilíbrios, mais que importantes para sua vida de relacionamentos, como é o caso de empatia-identificação ou de aceitação-assentimento, e de conceitos, que por serem mal compreendidos, reduzem drasticamente nossas opções de alcançar êxito e felicidade. Esse engajamento é parte do papel do filho, porque ele é o “escolhido” pela alma familiar para experimentar, perceber, compreender e transformar, sempre que possível.

Conflitos podem vir de ancestres, dos pais ou da interação horizontal dessa família, e seriam os adultos os que estariam numa posição mais apropriada para resolvê-los. Mas o que se observa nas famílias através das constelações familiares sistêmicas, é que a dor, a vergonha, a lealdade e outras emoções ou circunstâncias, fazem que seja impossível para alguns adultos olhar para esses assuntos. Então e só então, a solução desses conflitos passa a ser da consciência de grupo ou familiar, tarefa normalmente assumida pelos menores da família, que estão à disposição e em circunstâncias apropriadas para tais cometidos.

Sendo assim, será o serviço dos menores, dos “pequenos”, ir decifrando na sua caminhada o significado dos sintomas e repetições, das angústias, dos sacrifícios e das exclusões de todo tipo, na tentativa de restabelecer o equilíbrio familiar. Isto é o que acontece, como já dizemos, quando os adultos não podem tomar conta das suas responsabilidades ou tarefas sistêmicas e isto acontecerá, quando o adulto deixa de perceber seu papel na vida e sai do seu lugar, transgredindo leis fundamentais. Como consequência, sua própria vida perde força e direção, surgindo aos poucos, conflitos e dificuldades que fazem do viver um fardo muito pesado... é o que chamamos de emaranhamento. O adulto, nestas condições gerará outros conflitos, pois ele está ligado por múltiplos “fios”, através do pertencimento, com todo seu clã familiar e, eventualmente, com outros grupos de pertencimento.

A pesar disso, o indivíduo não pode ser excluído e se se autoexclui, de forma de abandonar seu lugar de pertencimento, o fará transgredindo as leis sistêmicas através de dinâmicas de sacrifício, compensação ou desde uma atitude infantil e arrogante.

A solução sempre passa por permanecer engajado na família, e resolver efetivamente os nossos emaranhamentos.

Mas, existem situações em que pertencer não é tudo aquilo que sonhamos... Situações difíceis podem nos colocar em circunstancias onde tenhamos que sobrelevar um pertencimento pesado, estéril e infeliz. Às vezes, tomar decisões e fazer escolhas que aparentemente nos afastam da família, transformando conflitos em movimentos de solução para todas as partes, como é por exemplo a compreensão e assentimento de uma opinião muito diferentes às nossas em determinados assuntos, num movimento físico silencioso de distanciamento de um parente, é o mais correto.

Desta forma, engajamento não possui como condição permanecer na família apesar de tudo, nem ser parte da sua dinâmica, quando isso parece contradizer nossas convicções mais profundas e sinceras. Às vezes, as separações ou distanciamentos são a forma que temos de dizer... “Sim. Pertenço e sempre pertencerei a esta família. Mas, neste momento devo seguir minhas convicções com a vossa compreensão, assim como com a minha compreensão sei da importância das suas convicções e da necessidade de trilharem seus próprios caminhos. Mais tarde nos reencontraremos sabendo que tudo isto foi só uma pausa necessária...”

Assim, como filho inicialmente pequeno e depois simplesmente como filho, fará parte do seu papel pertencer a essa família e assumir as “tarefas” ou “serviços” decorrentes da inter-relacionalidade dentre todos e cada um dos integrantes dessa alma familiar, da melhor forma possível e através das leis sistêmicas. É dentro da alma familiar que atuam o pertencimento, a hierarquia e o equilíbrio, gerando condições para resolver transgressões e assim viabilizando o fluxo da vida.

Por tudo isto e na medida em que evoluímos, é papel do filho concluir um a um os 5 círculos de amor, avançando desde o nascimento até “tomar os pais” e tudo o que vêm deles, transitando mais tarde como crianças e adolescentes sempre desde o nosso lugar e contexto (sendo pequenos), experimentando a vida; depois, chegar aos poucos ao adulto definido por Eric Berne, tomando conta das facetas infantis e enrijecidas da nossa personalidade para atingir a adaptabilidade criativa, apreendendo a “dar e receber” na equivalência, no relacionamento de casal e posteriormente no papel de mãe ou no papel do pai, assim, os preparando para assumir a responsabilidade de criar um vínculo saudável com os nossos filhos, fechando esse círculo sistêmico.

Além disto, e sempre que seja possível, avançar para alargar nossa compreensão e nossa espiritualidade, primeiro, para concordar com todas as pessoas do nosso sistema (nos engajando), reconhecendo e respeitando nelas seu pertencimento e o fato de terem o direito de serem assim como elas são, para depois permitirmos ser parte dessa força maior da qual Hellinger nos falava... Incluirmos no campo Espiritual onde toda a humanidade é igual, nos fundindo na compreensão e no amor com todos.

Se bem podemos concluir de que no começo não teremos a sabedoria de atravessar as faces da nossa vida com êxito por conta própria, de uma maneira ou de outra, na sua hora ou mais tarde, será a nossa responsabilidade e por tanto o nosso papel, concluí-las, para assim estar dispostos à chamada realização.

É papel do filho, assumido seu lugar de adulto, ter a disposição de ajudar seus pais quando necessário. Más sistemicamente, se trata da ajuda possível e não de sacrifício. Não se trata de qualquer ajuda. Se trata de uma ajuda equilibrada e partilhada junto aos outros irmãos de existirem, e apesar de que as vezes, seja um pouco difícil.

É nessa dificuldade onde experimentamos como filhos, o chamado equilíbrio entre dar e receber entre pais e filhos, onde os pais sempre dão, e os filhos sempre recebem. E a dificuldade consiste na nossa necessidade de dar, pelo menos o mesmo de tudo aquilo que deles recebemos. Isto já de por se é um claro sinal de não termos “tomado” os nossos pais nem tudo o que deles vêm, pois de tê-lo feito, saberíamos que teremos a oportunidade de fazer o mesmo pelos nossos filhos, ou através de outros tipos de doações ou ações pela comunidade ou pela vida.

Mesmo assim, numa atitude fora de contexto, nos achamos devedores de uma dívida impagável que pode chegar a ser torturante e conflituante.

Os filhos são parte da vida dos nossos pais e podemos fazer muito por eles, sempre desde uma atitude adulta e quando nos resulte leve. Mas, na prática, nem sempre é fácil e muito menos leve ajudar aos nossos pais. E essa “facilidade” ou “dificuldade”, assim como esse “peso”, está diretamente relacionado ao tipo de vínculos que construímos com eles, de tal forma que, quando há assentimento e amor, resultará mais fácil e mais leve.

Neste sentido, os sentimentos que nos embargam, se tingem de julgamentos sobre o que é certo ou errado, num processo de racionalização que nos conduz descaradamente ao abismo, diluindo a pouca clareza que já existia em relação ao nosso papel de filhos. São muitos os elementos em jogo agindo sobre um relacionamento geralmente conturbado e cheio de reclamos e desentendimentos, que ainda, conta com o dramático erro sistêmico dos filhos, quando, aparentemente, olhando para a vida, perdoam seus pais pelos erros e faltas cometidos.

Facilidade, leveza, assentimento, concordância com todos, percepção, compreensão e transformação dentro da energia da vida... são os objetivos.

É papel do filho, também, se concluir como filho. Isto acontece quando cumprimos todas as etapas do nosso desenvolvimento, seja de forma harmoniosa e equilibrada ou com dificuldades; mas as concluímos na medida em que ao olharmos para o caminho e apesar de tudo, tenhamos a certeza de estar em paz e sentindo uma profunda e sincera felicidade.

Agora, concluirmos nosso papel de filhos, nada tem a ver com o fato de “nascermos pais”. Nada a ver. Pessoalmente continuo trabalhando para me concluir filho e já faz muito tempo que sou pai. Pessoalmente continuo trabalhando para me concluir filho... e já faz muito tempo do falecimento dos meus pais.

Se concluir como filho não é uma tarefa acabada; não é deixar de ser filho para ser outra coisa. É continuar sendo filho em paz e harmonia pelo resto da vida, afirmando nosso assentimento e reatando e descobrindo laços ainda não percebidos. E esta, não é mais que outra prova do maravilhoso e misterioso fluir da vida, que nos carrega através de um sem-fim de conexões e circunstâncias.

Agora bem... Poderíamos achar outros “papeis” para os filhos. Papeis que sejam mais ou menos essenciais, mas, não existe uma ordem ou uma “fórmula” para ser filho, da mesma maneira de que não existe a fórmula para ser mãe. Se trata de aprender a arte de viver e de evoluir de forma consciente até estarmos no lugar e na hora certa. Não é uma questão de sorte e sim de percepção e consciência. Quando por exemplo dizemos que a nossa vida não foi fácil e que não tivemos a oportunidade de cultivar uma boa relação com os nossos pais, e, que pelo tanto, não recebemos da família o apoio, o cuidado e a afinidade mínima necessária para triunfar ou ser felizes na vida, na realidade estamos “discursando” e olhando a vida desde nosso próprio umbigo. Este posicionamento não resiste a menor análise.

O caminho da aprendizagem para ser filho é árduo e se realiza sempre desde o papel de “pequeno”, o que exige do filho muita humildade e muita ponderação, virtudes que são quase religiosas. Assim, se trata de uma caminhada geralmente cheia de histórias, tombos e arranhões. Vemos que muitos filhos e muitas filhas chegam ao assentimento dos pais e a “tomar” seus pais com mais facilidade que outros e essa facilidade ou possível dificuldade, não se relaciona com sermos mais ou menos inteligentes..., melhores ou piores filhos... e sim com cumprir ou não a nossa tarefa na vida, sendo impossível determinar por qual caminho o aprendizado foi maior ou se existe diferença no tamanho do êxito.

Porém, de fato nem sempre conseguimos o assentimento de tudo como foi e de tudo como é.

E se chegamos a esse assentimento, nem sempre este está acompanhado de amor. Filosoficamente podemos pensar que há uma forma de amor subjacente no assentimento de tudo como foi e tudo como é em relação aos nossos pais. Mas, no coração do filho ou da filha, pode existir um distanciamento que pelo seu tamanho e duração, tenha abafado os sentimentos e afetos filiais. E nesse caso, o assentimento e a tomada dos pais, nos filhos já adultos, não acontecerá no fluir do amor e sim pela consubstanciação que acontece a nível espiritual. Com tudo o que isso significa.

E que é o que acontece com as afirmações de que a mãe é como é...?

Podemos dizer que o filho é como é e assentir sem questionamentos?

Sim.

O pertencimento é de todos. Estamos falando de pessoas que estão em diferentes momentos das suas existências. Mas o pertencimento se adquire na concepção.

A ideia estática de ser uma boa mãe ou de ser um bom filho, como já dizemos, é excludente. Todos, normalmente, somos do jeito que somos e temos no nosso amago o fato de tentarmos ser melhores a cada dia. Mas a construção de uma boa mãe e de bons filhos são tarefas muito dinâmicas que dependem de muitíssimos fatores genéticos, familiar-sistêmicos e relacionais, assim como principalmente do meio com o qual interagimos e da interpretação das experiencias e dos seus resultados.

Por isto, tudo o que é papel do filho ou da filha, virá a ser realidade na medida em que possamos ir avançando na vida e ampliando nosso cone perceptivo, através da compreensão e da ação positiva, incorporando esse “viver” através da filosofia sistêmica.

Jogar todos esses papeis de forma certa e completa ou de forma parcial ou errada é só algumas das possibilidades.

A verdadeira ciência dos relacionamentos procura manter o equilibro e a harmonia. Mas, quando isso não é possível, esta ciência deverá ter opções e condições como para olhar com amor e respeito para o sistema, e achar um movimento de solução que destrave o fluxo da vida e traga soluções satisfatórias para todos os integrantes. Estas soluções sempre serão possíveis através do que acontece no coração de cada indivíduo, assumindo seu papel no sistema e aceitando suas responsabilidades assim como as consequências dos seus atos. Sem a disponibilidade para estes movimentos individuais. Não haverá solução para os conflitos e emaranhamentos, e estes, continuarão agindo sobre as próximas gerações.

O relacionamento Mãe/Filho com qualidade sistêmica, está na base da pacificação, do sucesso e da felicidade.


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