p. Daniel H. Della Valle Cauci
Introdução
O tema do Perdão, ou da necessidade de perdoar ou de ser
perdoado, inevitavelmente surgirá em algum momento de nossas vidas.
Perdoar é, para todos, um ato de bondade inquestionável.
Faz-nos sentir bem, alivia o estresse e nos traz paz interior.
Quando conseguimos perdoar, sentimos que um enorme peso sai
de nossas costas, enquanto, quando somos perdoados, nos permitimos voltar a um
estado de graça e inocência; tornando-nos novamente parte de algo, do que o
peso da culpa das ações que cometemos e consideramos erradas, nos afastou... ou
até nos excluiu.
Para muitas pessoas, o Perdão parece ser a única atitude
capaz de nos redimir perante Deus e o próximo, de nos dar força, nos
engrandecer e nos tornar mais generosos. No entanto, dentro de um olhar
profundo aos relacionamentos, isto traz um problema que deve chamar a nossa
atenção.
A natural consequência disso é que ele, o perdão, nos eleva
por cima dos outros. É por isso que o Perdão pode verticalizar os
relacionamentos, e nem sempre essa verticalização é viável. Explicaremos isto
mais adiante no texto.
Apesar deste “pequeno detalhe”, o Perdão e muito valorizado,
esperado, e até exigido, e tratado como determinante em determinadas técnicas e
processos meditativos que, através do Perdão, nos permitem recuperar o
equilíbrio e a cura, tanto física, emocional quanto espiritual.
O certo é que ouvimos falar muito sobre a necessidade de perdoar, ao ponto de o perdão se transformar em um comportamento socialmente quase que obrigatório, e, de não perdoarmos, estaremos sujeitos à possibilidade de ser duramente criticados.
Mas... Será que o Perdão é tudo isso..., sempre
positivo?
Será que perdoar sempre funciona na solução de
conflitos?
Ser perdoado... é suficiente para a vida continuar fluindo
natural e equilibradamente?
E... dependendo da sua resposta... Será que estamos todos
falando da mesma coisa? Do mesmo conceito de Perdão?
Será que podemos considerar o Perdão como uma ação, uma
moeda de troca, uma ferramenta social, ou como um ato de (in)justiça?
Ou será que nos confundimos semanticamente e, ao tentar
resumir um processo muito mais complexo — que inclui compreensão, assentimento
e uma profunda e comprometida ressignificação, sem eliminar as
responsabilidades dos envolvidos —, chamamos isso de Perdão?
Olhando para o perdão
A ideia desta reflexão é observar que, em algumas formas de
pensar a vida — seja pela filosofia, pela religião, ou por outros pontos de
vista, muitos deles caracterizados pelo dogmatismo e conservadorismo — existe a
imposição do perdão, que, em certas ocasiões, se transforma em um sério
problema de "amor", tornando-se um obstáculo para o fluir da
vida.
A ideia do comum das pessoas de que "perdoar é
divino", está na base da “necessidade compulsiva de perdoar”, e é uma
confusão que tem raízes profundas tanto no cristianismo quanto em outras
tradições espirituais e filosóficas. Ela reflete o conceito de que o perdão
está ligado a uma virtude elevada, associada à compaixão, à misericórdia e à
capacidade de transcender mágoas e ressentimentos.
Mas, acompanhando esta lógica não podemos deixar para atrás,
o fato de que o perdão de Deus, segundo a Bíblia, não é automático. O conceito
de arrependimento é um elemento crucial. O Perdão não é tão simples, e em
ocasiões, Deus é apresentado como alguém que pune quando há pecado e
desobediência deliberada. Em certos casos, a justiça divina exige uma
restauração ou reparação antes que o perdão seja concedido.
O perdão possui tanto aspectos positivos quanto negativos e
só pode ser considerado uma solução verdadeira, quando deixa de ser um
instrumento de poder; quando deixa de ser uma espada ou um escudo, quando não é
mais uma negociação, mas uma instância de iluminação; uma instância de clareza
emocional e intelectual.
Então...
O que é o Perdão?
A palavra Perdão tem origem no latim “perdonare”, onde “per”
significa “total, completo”, e “donare” significa “dar, entregar,
doar".
No dicionário, no entanto, a palavra possui significados
variados, que vão desde "ato de perdoar", "desculpa",
"indulgência" até "absolvição religiosa". Define-se como um
ato, como uma ação e não como um processo complexo emocional e cognitivo.
De forma geral, o Perdão envolve a superação de um agravo ou
ofensa e a restauração da paz entre as partes envolvidas, e, no dia a dia, e de
forma simplificada, podemos dizer que o Perdão é deixar de sentir incômodo, dor
ou ressentimento por algo errado que alguém fez, aceitando o erro e seguindo em
frente, sem guardar mágoa.
Contudo, o conceito de Perdão assume uma importância maior
no contexto religioso, onde faz total sentido com o “religare”
que dá origem à palavra religião e se compreende como um ato de misericórdia e
compaixão, tanto para quem perdoa quanto para quem é perdoado, com nuances e
significados próprios em cada tradição de fé. Nem sempre, porém, fica claro que
o Perdão está associado a um arrependimento profundo ou à transformação de
comportamento e é aí onde o Perdão se desvirtua.
Na psicologia, o Perdão é entendido como um
processo emocional e cognitivo; uma ferramenta poderosa para a cura emocional e
o crescimento pessoal. No entanto, ele deve ser visto como algo complexo, que
varia de pessoa para pessoa e depende da situação específica. O Perdão genuíno,
seja em relação aos outros ou a si mesmo, pode trazer benefícios substanciais
para a saúde mental, desde que ocorra no momento certo e de maneira autêntica,
sem pressão externa.
Filosoficamente, as discussões sobre o Perdão
são amplas. Para alguns autores, ele é um ato de superação de ressentimentos e
reconciliação com o ofensor, sem expectativa de compensação. Outros veem o
Perdão como um processo de cura, onde o passado é transformado, mas sem ser
esquecido.
Em suma, o Perdão, na filosofia, envolve reconciliação,
liberdade, justiça e, muitas vezes, um profundo ato moral.
Dentro da visão filosófica, Bert Hellinger nos oferece uma
perspectiva interessante: "O Perdão chega quando se reconhece que nunca
houve nada para perdoar, mas sim algo para compreender", e este é um
olhar que converge com a visão sistêmica da vida.
O Perdão assim, existe como uma forma de resolver um impasse
que surge da cegueira e desconexão do ser humano em relação aos seus
semelhantes; uma forma de pretender atar pontas soltas na teia dos
inter-relacionamentos, porém, por não ter o caráter resolutivo e omnipotente do
perdão Divino, não possuirá nem a força, nem os efeitos de tal perdão.
É claro que o significado e a forma como o Perdão é abordado
na filosofia são variados e complexos, dependendo das diferentes escolas e
autores. Mas sempre pode ser relacionado à justiça, ao arrependimento, à
incondicionalidade ou até mesmo observado como um fim em si mesmo, uma virtude.
Contudo, não é nossa intenção explorar todo esse vasto universo nesta reflexão.
O Perdão mal compreendido
Como já mencionamos, Perdoar pode ser considerado algo
"superior", capaz de nos proporcionar paz espiritual e saúde
emocional. No entanto, se o Perdão não for acompanhado de compreensão e
ressignificação, se o perdão é só aparente ou imposto, ele pode se transformar
em um peso insuportável no íntimo de quem diz perdoar; um fardo destrutivo que,
em vez de restaurar relacionamentos, contribui para a sua desconstrução.
Ou seja, o Perdão pode ser confuso se não
compreendermos bem sua profundidade e alcance.
Porém, é válido dizer que, no dia a dia, quando nos propomos
perdoar ou quando procuramos o perdão, não enfrentamos um drama existencial nem
refletimos muito sobre o assunto. Está quase implícito, ao pedir Perdão, que
seremos perdoados. Assim, pedimos desculpa por deixar uma porta bater ou por
esquecer a luz acesa, como parte de uma fórmula social de boas maneiras, mais
do que como um movimento profundo de nossa consciência.
O Perdão também é usado corriqueiramente em relacionamentos
interpessoais, por pequenas coisas que não chegam a magoar ou ferir (perdão por
chegar tarde a uma cita; perdão por não ter percebido o que de nós se esperava,
etc.).
Nesses casos, o Perdão, como interjeição ou fórmula de
civilidade, possui pouca ou nenhuma consequência. Contudo, quando o Perdão é
necessário para resolver problemas profundos em relacionamentos, ele deixa de
ser uma ação simples. Isso ocorre porque os conflitos, embora possam
ser observados isoladamente, fazem parte de uma realidade maior, sujeita a uma
dinâmica complexa e interrelacional, onde a causalidade direta e circular
amplifica as consequências de cada ação, escolha e comportamento.
Neste caso estamos falando do Perdão como instrumento de
solução dentro da visão sistêmica. Estamos falando do perdão como caminho para
soluções verdadeiras e inclusivas, que pode caber dentro de certos contextos,
mas que, transgredindo seus próprios limites, pode chegar a ser ineficiente,
confuso e perpetuador de conflitos dentro dos relacionamentos mais essenciais.
PERDÃO BOM – PERDÃO RUIM
São muitas as variáveis e possibilidades para que o Perdão
seja tanto positivo quanto negativo, BOM O RUIM, o que torna difícil dar
exemplos concretos.
Observemos que, ao nos permitir deixar para trás o
irreparável do passado, abre-se a possibilidade de um alívio emocional e uma
diminuição da tensão. Isso modifica a maneira como nos relacionamos com nossos
sentimentos. Ao perdoarmos, compreendemos as circunstâncias da pessoa que nos
magoou ou prejudicou e renunciamos ao estresse e à tensão que alimentam essa
dor. O perdão nos liberta de um grande peso, pacificando nosso interior e
abrindo caminho para novos sentimentos. Esse processo melhora nosso bem-estar
físico, emocional e mental, liberando o sistema nervoso autônomo para focar em
sua principal função: a manutenção da saúde e dos processos metabólicos.
Outro aspecto positivo é que o perdão pode promover a
reconciliação e fortalecer vínculos, desde que ambas as partes envolvidas
adotem uma atitude sincera e generosa. Relações familiares, profissionais,
conjugais ou até mesmo desentendimentos entre vizinhos podem superar momentos
difíceis quando há compreensão das circunstâncias que levaram à necessidade do
perdão.
Além disto, o perdão pode proporcionar benefícios
espirituais e energéticos, especialmente quando se torna uma prática sincera,
humilde e constante. O exemplo do “Ho'oponopono” demonstra como o perdão pode
auxiliar na rearmonização pessoal, refletindo positivamente nos
relacionamentos. Porém, podemos ver que o perdão não deveria ser protagonista
de um processo de autocura e sim um movimento que facilite a compreensão e o
assentimento de uma nova realidade racional e emocional. SENDO como o efeito
harmonizador de um “insight”. Sendo parte de uma RESSIGNIFICAÇÃO.
No entanto, ao lado dessas vantagens, devemos considerar as
outras faces do perdão: os aspectos negativos, assim como
a sua viabilidade dentro dos relacionamentos, quando observados
sistemicamente.
O lado confuso ou negativo do perdão surge, em primeiro
lugar, na superficialidade que a prática pode adquirir. Isso acontece tanto
pela sua romantização quanto quando se transforma em um dogma. Perdoar apenas
porque "é bonito" ou "faz bem" reduz o poder do perdão em
seus aspectos positivos, esvaziando sua essência.
Além disso, perdoar sem que haja arrependimento ou mudança
de comportamento da parte de quem recebe o perdão pode perpetuar comportamentos
abusivos ou tóxicos. Nessa perspectiva, o perdão deixa de ser uma solução
apaziguadora e se torna uma miragem, um ponto de partida para novas dores e
confusões. Se a pessoa não processa completamente a dor ou o trauma, perdoar
prematuramente pode gerar ressentimentos internos e desequilíbrios emocionais
profundos e duradouros.
Assim, o perdão tem seu momento e exige condições adequadas
para que realmente ocorra.
Na visão sistêmica dos relacionamentos, que considera a
comunicação e as interações entre os indivíduos fundamentais para o equilíbrio
e sucesso da vida em sociedade, encontramos uma complexidade organizada
explicada pela Teoria Geral dos Sistemas. Seu princípio mais básico é
que os elementos de um sistema estão interconectados e interdependentes,
formando um todo dinâmico e complexo.
Se considerarmos a família como o sistema base da sociedade,
sistemicamente, seus integrantes não podem ser compreendidos em forma isolada.
Eles devem ser vistos como parte de um conjunto, levando em conta suas
interações e interdependências, na construção de algo em comum[i],
com características emergentes maiores à soma das características individuais
Dito isso, qualquer ato de perdão provocará mudanças no
equilíbrio emocional, na paz interior e na fluidez da vida, tanto dentro do
sistema familiar quanto entre diferentes subsistemas (por exemplo, pai-filho no
contexto familiar; representantes políticos de partidos opostos no contexto
político de uma cidade, que se integram como sistemas menores a um outro
sistema maior).
As consequências, sejam positivas ou negativas, não
impactarão apenas os indivíduos diretamente envolvidos, mas também todos os
membros do sistema ao qual eles pertencem. Além disso, essas consequências não
serão uniformes, pois trarão vantagens e desvantagens de maneira distinta para
cada integrante, ainda que todos dentro do sistema, de alguma forma, sentirão
esse impacto.
Vejamos um exemplo:
O que se diz no confessionário, em busca do Perdão, pode não
refletir o que a mente de quem se confessa realmente pensa ou o que o seu
coração verdadeiramente sente. Para isso, podem existir várias razões:
ignorância, medo ou até mesmo falta de empatia. Também poderíamos afirmar que,
sem arrependimento real, o Perdão perde sua essência. Perde sua essência se o
arrependimento demonstrado for apenas uma postura para evitar punições ou
consequências.
Vejamos outro exemplo fora do âmbito religioso.
Se alguém, por exemplo, mata uma pessoa, as consequências
dessa ação não se restringem ao agressor e à vítima. Ao redor dos dois, está a
sociedade com suas normas, as famílias da vítima e do agressor, os sentimentos
das pessoas próximas, as responsabilidades e papéis que a vítima e o agressor
desempenhavam em suas comunidades, dentre outros muitos elementos a serem
considerados.
As consequências dessa ação reverberarão em todos ao redor,
em diferentes intensidades.
Dentro deste exemplo poderíamos observar o comportamento da
Mãe da vítima, que, em um ato de extrema generosidade ou clareza evolutiva,
pode perdoar o agressor, compreendendo as circunstâncias que levaram ao crime.
Ainda, o Perdão da mãe pode ter sido fruto de uma autoimposição, baseada em
crenças religiosas arcaicas e na procura de redenção, numa repetição de
comportamentos apreendidos, não sendo assim um movimento profundo. O conflito
entre agressor e vítima não se restringe apenas a eles, mas, transcende,
afetando os sistemas familiares e de pertencimento de ambos, de forma única e
específica em cada contexto.
O Perdão da mãe da vítima pode entrar em conflito com os
sentimentos da esposa e dos filhos da vítima, dando seguimento aos mal
entendidos. Em luto, eles podem estar em negação e, por exemplo, sentir-se mais
inclinados à vingança do que à busca de soluções positivas. O Perdão da mãe da
vítima, entrará em colisão com a realidade emocional da viúva e dos netos,
dividindo à família (o sistema familiar) em um momento de dor, gerando
exclusões, mágoas e gerando ainda mais consequências.
Sempre dentro do exemplo, tarefas que a vítima realizava,
por exemplo dentro da comunidade, beneficiando outras pessoas, já não serão
realizadas, criando novos vazios, conflitos e dificuldades.
E assim, poderíamos continuar enumerando consequências
sistêmicas do conflito inicial agressor-vítima, e estes se alastrar no sistema
familiar por gerações!
Há, portanto, muitas situações em que o Perdão pode se
tornar um impasse, uma cilada, parecendo benéfico à primeira vista, mas, diante
da complexidade das relações humanas, pode ter consequências previsivelmente
negativas.
Assim, a ideia comum de Perdão como um ato de amor ou de uma
obrigação moral pode, na verdade ser um ato de desamor, induzir a erros que, em
vez de fortalecer, acabam por enfraquecer e desvirtuar os relacionamentos
humanos.
Uma vez mais, o perdão, especialmente quando concedido sem
que os problemas subjacentes sejam resolvidos, pode desestabilizar os
relacionamentos, criando uma falsa sensação de harmonia e adiando a verdadeira
solução dos conflitos, que inevitavelmente ressurgirão mais tarde, talvez sob a
forma da necessidade de resolver injustiças.
Uma questão extremamente grave, segundo a visão sistêmica, é
que o perdão transgrede em determinadas circunstâncias, as chamadas leis
sistêmicas de pertencimento, ordem e equilíbrio.
Um perdão sem reconhecimento, que verticaliza a relação ou
sobrecarrega uma das partes, não é viável. Isso porque impede o fluxo da vida e
da energia dentro do sistema. Em vez de atuar como uma solução, o perdão passa
a ser uma fonte de novos conflitos e perpetua emaranhamentos que podem chegar a
inviabilizar o sistema como um todo.
Na obra “Ordens do Amor: Um Guia para o Trabalho com
Constelações Familiares” (1ª ed., São Paulo: Cultrix, 2007), Bert Hellinger
escreve:
"Não se deve pedir
perdão. Um ser humano não tem o direito de perdoar. Nenhum ser humano tem esse
direito. Quando alguém me pede perdão, empurra para mim a responsabilidade por
sua culpa..."
Quando pedimos desculpas, quando dizemos "desculpe-me
pelo mal que lhe causei", fazemos um pedido que sobrecarrega aquela pessoa
que foi "vítima" dos nossos atos, pois estamos atribuindo a ela a
responsabilidade de nos livrar das consequências dos nossos próprios erros.
Na visão de Hellinger, não cabe o perdão sem uma percepção
dos acontecimentos, e, como é muito difícil ter consciência real das
circunstâncias e dos contextos profundos de todo e qualquer relacionamento, o
perdão só é viável como uma constatação humilde da complexidade do ato que
requer o perdão. O perdão não é algo que damos, mas sim algo que recebemos em
termos de uma compreensão humilde do nosso lugar na rede de inter-relações. Não
cabe o perdão sem a percepção real dos acontecimentos. E, quando obtemos essa
compreensão, o perdão deixa de ser necessário.
Neste sentido, o perdão não é mais que um “ideal abstrato”,
que age como uma referência moral para nosso comportamento, em determinadas
circunstâncias. Porém, quando utilizado como regra ou norma moral, nem sempre
conduz a um bom porto.
Agora, o perdão humilde (em contraposição ao perdão
arrogante, que verticaliza os relacionamentos) possui um poder incomparável no
caminho das soluções inclusivas, o que respeita as leis sistêmicas. Ele coloca
vítima e agressor frente a frente, como iguais, livres para continuar no fluxo
da vida, sem pesos, mágoas ou rancores.
Isto é, de fato, uma ressignificação do conceito de perdão.
Uma ressignificação que abre portas para novas formas de ver antigos conceitos,
como a necessidade do perdão e até da sua própria existência.
Se entendermos que não temos o direito de sobrecarregar as
vítimas com a necessidade de perdoar, e que quem perdoa o faz não como uma ação
resolutiva de conflitos inter-relacionais, mas sim como uma instância de
lucidez e compreensão humilde, podemos confirmar que os processos de quem
perdoa e de quem será perdoado, ainda que atinjam a todos no sistema, são absolutamente
pessoais, relativizados e limitados pela sua própria consciência, pela
consciência familiar e pela realização das tarefas sistêmicas familiares
assumidas[ii].
Portanto, o que se chama de "permanecer no seu
lugar" na compreensão sistêmica da vida seria a forma de continuar no
fluxo da vida sem gerar consequências, e sem a necessidade de instâncias que
tentem resolver "magicamente" impasses e conflitos desnecessários. O
nosso lugar, único dentro do sistema familiar, está dado no respeito às leis
sistêmicas de Pertencimento, Ordem e Equilíbrio[iii].
Assim, estando no nosso lugar, sem transgredir as leis sistêmicas, agimos a
favor da vida sem gerar consequências. Ao mesmo tempo, vivemos e aprendemos
permitindo, no nosso íntimo, que o outro no seu lugar, também faça sua própria
experiência e aprendizado, sem que pretendamos agir por ele ou invadir seu
“espaço” sistêmico.
Esse respeito pelos outros e suas opiniões, seus erros e
seus acertos, suas escolhas e suas renúncias, que para muitos pode ser
considerado superficialmente como "permissividade", é o que
garante viver sem gerar consequências negativas em nossa vida ou na vida das
pessoas com as quais nos relacionamos diretamente, dentro do nosso sistema
primário ou em qualquer uma das áreas de pertencimento das quais fazemos parte.
Estando no nosso lugar, já não precisamos mais perdoar, pois
não se geram desencontros ou conflitos, e todo desentendimento pode ser
compreendido como um ponto de vista ao qual todos têm direito, capaz de
enriquecer e trazer novos desafios para o crescimento do sistema.
Uma vez mais, o conceito de Perdão na visão sistêmica gera
confusões a partir do seu uso cotidiano e superficial, apesar de que na sua
aplicação, o perdão não pode excluir, não pode transgredir a ordem dentro do
sistema familiar ou de pertencimento, nem desestabilizar o equilíbrio dos
relacionamentos, no qual ações como dar e receber, devem ser balanceados.
É importante mencionar que não existe a negação sistêmica do
perdão. Ele existe e é muito importante. O que se observa no resultado de toda
constelação e que a ação de perdoar e de ser perdoado não é diretamente curativa
nem resolutiva em si mesma e que esse perdão deve ser observado em suas
peculiaridades em cada circunstância.
Até a redução de um processo tão nobre e profundo a um ato
simples de perdoar sem arrependimento, sem a compreensão nem a humildade, sem
uma instância verdadeira de assentimento e ressignificação, resulta
desproposital e uma agressão ao sentido comum.
O objetivo de toda constelação em tanto terapia breve, é
achar soluções para a continuidade dos relacionamentos de maneira saudável,
equilibrada e inclusiva, e por tanto, soluções que contemplem a todas as
partes. A verticalização que produz o Perdão arrogante (ainda que não o
pareça), transgrede as leis sistêmicas, colocando quem perdoa por cima de quem
é perdoado[iv].
Como constelador, vejo que o perdão surge nas constelações
tanto como solução quanto como problema. Geralmente como um obstáculo a vencer,
a ser esclarecido. E quando se olha para esse perdão, e compreendemos que ele
já não é necessário, é quando o passado fica no passado e a vida retoma seu
protagonismo.
Muita luz a todos
Até breve!
[i] A
família, que em este caso chamamos de “sistema”.
[ii]
Conceitos próprios da base teórica das Constelações Familiares Sistêmicas
segundo Bert Hellinger
[iii]
Consultar as bases teóricas das Constelações Familiares Sistêmicas segundo Bert
Hellinger.
[iv]
Apesar de que quem pensa no Perdão como solução absoluta negue esta
verticalização, é só analisar de forma rápida o status de inocência
-culpabilidade de quem participa no ato de perdão, aceitando a culpa com
humildade e agindo no poder do perdão.
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