p. Daniel Dalle Valle
. Bem... Que classe de pergunta é esta?
Que pergunta é essa que quer subverter conceitos, teorias e
aquilo que se vê e funciona para todos nós, facilitadores das Constelações
Familiares Sistêmicas...?!
Calma! É só uma questão de interpretação... Tudo pode se
manter no lugar... e nem seria possível mudar alguma coisa na força desta
filosofia, só pela relativização de uma palavra.
Mas, como não se trata de um dogma, acho que existe a
possibilidade de interpretarmos e de explorarmos esta ciência da
ressignificação, sem medo de faltar o respeito aos nossos Mestres.
Um presente é algo que se dá, é um obséquio. Em linhas gerais pode ser algo muito bom, mas
também pode ser algo doloroso e traumatizante.
De todas formas é algo que damos com agrado,
conscientemente. Pelo menos é isso em todas as definições que pudemos achar,
seja como presente, como regalo ou como obséquio.
Na sociedade atual existe uma importante porcentagem de
famílias que planificam seus filhos. Ainda assim, segundo estatísticas
brasileiras de 2016 e atuais da OMS, o 55% das mães brasileiras que tiveram
filhos não o tinham planejado. Destas, 25% gostariam de ter esperado más tempo
para engravidar e quase um 30% das mulheres entrevistadas nem desejavam ter
filhos. E isto nem menciona nem a opinião, nem os sentimentos da parte
masculina...
No mundo, segundo as Nações Unidas, 40% das gestações foram
indesejadas. Dentro desta estatística se confirma que quem menos planeja, são
as famílias e as mulheres mais desassistidas econômica e culturalmente: As mais
vulneráveis.
Olhando assim... onde está o presente?
Em muitos casos o filho é recebido com festa e em outros, é
recebido sem assomo de assentimento. E isso, é assim, porque á emaranhamentos,
a tarefas sistêmicas a realizar... tudo bem. Não é essa a questão que estamos
planteando.
Podemos discursar filosoficamente sobre o ato divino de
criar uma vida. Podemos romantizar a gestação e o amor dos pais. Dizer que houve
um ato de amor, um sim à vida e desse jeito, um ovulo e um espermatozoide,
fizeram o milagre da vida.
Quando ouço estas declarações, estas formas de dizer,
confesso que me sinto um pouco estranho.
Claro que a vida veio dos pais e que, por optarmos por ir em
direção à vida e à realização, faremos com essa vida o melhor que nos seja
possível, e, nessa tarefa tentaremos achar soluções às dores e traumas do
passado familiar, assumindo as tarefas sistêmicas que a alma familiar nos
confie.
Também está claro que como filhos recebemos uma vida e que
junto com a vida, vieram tanto heranças como a força da ancestralidade.
Acredito que nascemos também com uma semente, uma luz, um “jade” na nossa
essência que auxilia na nossa caminhada a percebermos potencialmente completos
para “sermos”, apesar das adversidades.
Está claro que devemos estar gratos aos nossos pais pela
vida, e, como não temos como pagar por ela, nem teríamos como pela dimensão e
significado da vida, individual e coletivamente, o nosso papel será como bons
filhos o assentimento de tudo o que foi, e como foi assim como
pelo preço que tivemos que pagar.
Nascemos em total dependência dos nossos pais, e quase que
simultaneamente se estabelecem os laços de lealdade e de um amor reflexo que
pode conduzir a vínculos maiores. Por direito pertencemos ao grupo familiar. Carregamos
a herança genética e sistêmica das duas famílias das quais nasceram nossos pais,
através da herança direta da Mãe e do Pai, e com uma relação sistêmica com
outros grupos, dos quais fazemos parte pela cultura, pela história, como
cidadãos e como seres humanos.
Mas a vida não foi um presente. Pelo menos não um presente
para nós em particular. A vida é um fato natural, parte de um mistério a
resolver assim como a morte, assim como essa continuidade que nos eleva e
submerge em ondas através da dualidade que nos aprisiona e nos motiva.
Não me resulta apropriado apresentar a vida como um presente
e menos ainda como o maior dos presentes. Isso ajuda na confusão de um falso
paradoxo que se cria em nós, quando colocamos nossos Pais na função divina da
criação e quando no assentimento os descobrimos como pessoas normais e em
construção. Falso paradoxo, pois estas duas percepções dos nossos pais, em
tanto aceitas pela comunidade, não são necessariamente excludentes. Só que eles
não exercem uma função divina na criação ao dar a vida. Eles a passam adiante.
A vida é uma das formas de existirmos no mundo manifesto e, nesse sentido é uma
criação do céu, ou de Deus, ou da Força Superior. Os nossos Pais, e nos mesmos
ao sermos pais, já estamos dentro dessa criação e passamos a vida adiante em
nossos filhos.
A vida não surge milagrosamente da união do esperma e do
ovulo. Estas células da vida já estavam vivas antes de se unir, e continuaram
vivas no momento da concepção... e nesse algo que foi concebido.
Exemplos dados por Bert Hellinger em forma de poemas, como a
“Fonte Romana” e a “bola dourada”, não citam uma origem da vida e sim nos falam
de uma vida que se continua[i].
Por outro lado, não referirmos a vida como o maior dos
presentes que recebemos dos nossos pais, não significa que a vida que recebemos
não seja realmente valorizada, nem que a oportunidade de viver não se configure
como uma dívida impagável perante dos nossos maiores.
A vida além de ser filosoficamente algo maior, tanto que nem
chega a ser explicada, e um movimento intrínseco do ser humano. Um movimento
que está submetido a uma força maior, que nem sabemos com é nem como atua. Um
movimento que está dentro de algo maior e de um Tudo que
pessoalmente denomino Tao.
O presente, em tudo caso, de existir, é o de podermos
participar como seres humanos imperfeitos nessa instância de passar a vida
adiante, como pais. Como Pais, somos uma porta. Tudo o que vêm depois está fora
do nosso controle.
Agora se me ocorre pensar que outrem possa argumentar que
minha opinião nasce de minha falta de assentimento aos meus pais..., no
entanto, tenho a certeza de meu assentimento. Um assentimento imperfeito que
trabalharei até me concluir, mas um assentimento forte e amoroso, que acredito
seja verdadeiramente espiritual.
O fato é o mesmo. Meus pais me deram a vida. E “romantizadamente”
(me desculpem pela licencia), isto pode ser considerado um presente. Porém... Um
presente dos pais?... Um presente de Deus? Um presente daquela força Superior?
Nascer é o devenir da vida em ação. É natural. Nascermos é
próprio e intrínseco do ciclo da vida. No como presente. Em tanto que os nossos
pais, são a oportunidade de podermos nascer. Essa é a nossa ligação com esses
seres e sua doação. Eles são a nossa origem.
Sinto que ao mencionar a vida como um presente dos pais,
contribuo a uma imprecisão histórica que magnifica aquilo que não necessita ser
magnificado. Os pais cumprem um papel único ao darmos essa oportunidade de
nascer e de viver. Ao dar a seus filhos um lugar e um contexto. O
pertencimento. Que por ser uma lei, não é um presente. Respeito e reconhecimento aos pais também são
uma lei e são, ou deveriam ser, atitudes naturalmente presentes na inter-relação com os nossos pais.
Pensar que recebemos a vida dos nossos pais, como o maior
dos presentes, gera em nós uma maior sensação de sermos devedores, pudendo
aumentar ainda mais o peso de vivenciar uma dívida impagável, o que contribui a
uma avalanche de emaranhamentos e sacrifícios de todo tipo e tamanho. O Pai e a
Mãe, porque deram (algo que não era deles, que não lhes pertencia e que sobre passa as heranças que nessa vida passaram para seus filhos) e na falta de
clareza se tornam credores, e nos filhos, até darem por conta que não são
devedores de tal incalculável fortuna, se sentenciam a ter que aumentar seu
serviço, sua dedicação, seu sacrifício e sua auto omissão.
Nada muda.
Nestas latitudes, o sol continua a nascer pelo leste.
É só uma reflexão... uma questão de interpretação...
Muita luz a todos
Um forte abraço!
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