Por: Deniel
Héctor Della Valle Cauci
(Artigo de opinião)
Impermanência é um desses conceitos abstratos difíceis de
aprisionar em ideias concretas. Conceitos como vida, morte, felicidade, como
amor... são usados por nós como se pudéssemos lhes atribuir magnitude ou
profundidade, de forma arbitraria, com facilidade e quase sempre tendo em conta
só uma pequena parte do seu significado. Os usamos com corriqueira normalidade
e displicência de tal forma, que quando temos o insight do alcance e força da
palavra que estamos usando, o sentimos como uma irresponsabilidade.
Impermanência se define como particularidade, característica
ou estado do que é impermanente. Por sua vez, impermanente é o que não
se mantém de maneira permanente; que não dura ou muda com facilidade; que é efêmero
ou inconstante.
Na realidade, como conceito abstrato, a impermanência não se
define nessas poucas palavras. Possui um significado filosófico e religioso extenso
e de extrema importância.
A impermanência por exemplo, é, dentro do Budismo, um dos
conceitos essenciais para a descrição do universo, e participa ativamente da
construção filosófica e conceitual de toda a teoria budista. No Budismo é um
dos pilares, mas, este conceito é parte inseparável e inegável de toda religião
que se respeite. Não entanto, se não
temos dúvidas da importância da impermanência nas religiões, ainda menos as
teremos no concernente ao dia a dia, na vida como um todo, onde todo é mudança constatável
nos assuntos menores, como o clima, o crescimento de uma planta, nosso estado
de ânimo, etc., como também em questões muito mais profundas e imperceptíveis, no
ciclo dia-noite, na manutenção dos tecidos do nosso corpo, nos interesses de
uma família, a evolução das espécies, nos globais processos geopolíticos, na
expansão do universo, etc. Não há dúvidas de que a impermanência e uma das
nossas mais claras e intrínsecas características.
Se pensamos no nosso dia a dia, a impermanência não é só uma
dinâmica de câmbios constantes e bem pode ser visto como um conceito que,
quando presente na nossa estrutura psicológica, na nossa elaboração de
pensamentos e respostas, nos permite uma melhor adaptação e pode ser (é)
determinante nos estados de saúde emocional.
A ausência deste conceito, aduba o terreno para a
estratificação e cristalização de sistemas de crenças, de pensamentos infantis,
de lealdades arcaicas, de adesão cega ao livre arbítrio; às ideias de pose e
apego, ao quietismo, às ideias de poder e de superioridade assim como de muitos
outros processos e comportamentos. Fomenta, dentre outras, estruturas de
pensamento rígidos e inadaptáveis, seja na política, na filosofia como na
religião, elaborando leis e normativas, certezas e compreensões, baseados em
dogmas que em nada se relacionam com a “re-ligação” (religião) com o superior o
divino e menos ainda, com a fraternidade e o amor que deveria reger à
humanidade.
SITUAÇÃO ATUAL
Não é necessário nos estender ainda mais neste conceito,
pois nosso interesse é de abordar a impermanência em relação a este momento
histórico, pautado pelo COVID-19.
O COVID-19 como pandemia, gerou muitas alterações no dia a
dia do planeta. Se trata de um vírus para o qual não há cura ainda, nem
tratamentos diretos ou realmente efetivos, e, apesar de não ser agressivo,
quando leva a óbito, atinge com maior facilidade a aquelas pessoas que já estão
debilitadas por outras patologias anteriores, as chamadas “comorbidades”. Afeta preferentemente a idosos e pessoas de
grupos de risco, mas, também, tem provocado morte em pessoas jovens e sem
comorbidades...[1]
Sua abordagem e “combate” gerou consciência, sacrifício e
coragem, mas, também, muito medo e insegurança. Decisões políticas, revisão de
estratégias, separação de famílias, gerou impotência e motivação, incertezas no
amanhã, percas pequenas o médias para quem muito têm, e das gigantes, para
aqueles que não tem mais de onde perder... Temos aprendido, um pouco, a
renúncia e a humildade.
A partir de tantas alterações nos hábitos da população e de
tantas mudanças geradas a partir do isolamento social, surgem as mais variadas alterações
no comportamento social em todos os níveis, minando as bases da certeza
simplória de que tudo que é habitual estaria aí para sempre, ao alcance das
mãos, constante e fácil.
Dentre outras coisas tínhamos esquecido da nossa soberba e
da nossa fragilidade.
Revimos à importância de coisas pequenas, como da higiene das
mãos e da etiqueta respiratória que sempre foram necessárias, evitamos
expressões sociais de ostentação e exagero que estavam a serviço da nossa
superficialidade ou, em tudo caso, de nossa falta de ser. Se deu um freio obrigado
ao consumismo e a poluição e até algumas vozes dizem, diria que se arriscam a
assegurar que este vírus nos fez iguais... (bem... não é para exagerar... Ne?!)
Alguns mapas mostram o quadro de mortes, de enfermos, de
curados... Outros mapas mostram as áreas desatendidas do país e do mundo.
Outros mapas ainda mostram o grau de acidificação e polução ambiental antes e
depois das quarentenas... e de todos estes mapas, e todas estas informações
podemos extrair aprendizados.
Cada ser no seu lugar, na sua cidade, na sua família, na sua
classe social, na sua circunstância econômica, teve que rever conceitos
práticos e até ético-morais. Alguns, com um êxito medível no seu crescimento
pessoal e espiritual. Outros, com muito menos êxito. Cada um com a sua
consciência. [2]
INCORPORANDO CONCEITO DE IMPERMANÊNCIA.
Me dirigindo a aqueles que tiveram maior êxito na sua
evolução e crescimento, penso que podemos aproveitar este impasse e este
isolamento muito mais ainda, trazendo para nós o real significado e a real
amplitude do conceito de impermanência. Como dizemos antes, compreendendo realmente
este conceito, estaremos mais próximos da nossa humanidade e, dessa forma,
muito mais dispostos a fazer parte das soluções verdadeiras e profundas para a
triste realidade que hoje vivemos.
Quando assumimos para nós a sabedoria de sermos impermanentes,
o primeiro que acontece é que aprendemos a valorizar o maravilhoso da vida. A
sua essencialidade... O desnecessário, o no essencial, o apego de tudo aquilo
impermanente, ou seja... tudo; perde seu protagonismo infame. Podemos nos
relacionar com coisas e valores físicos, atuantes na sociedade, necessários
para a vida em sociedade, sem que estes gerem consequências negativas para a
nossa existência física e espiritual (ou como se deseje chamar). Reconstruímos
a nossa valorização de objetos e posses e abraçamos os valores e as virtudes.
Mas, a impermanência pode ser ainda mais que uma forma de
ver objetos e coisas, ou de experimentar sentimentos, e ser também um método de
interação com a realidade; uma realidade que além de ser absolutamente
diferente quando a percebemos através da lente da impermanência, pode passar a
ser uma aliada bondosa na construção de nosso equilíbrio emocional, físico e
social.
Estamos nesta situação de insegurança e de incerteza em
relação a uma pandemia que nos ameaça diretamente e nos faz pensar, gerando
muitas emoções e impulsos que nos modificam nem sempre positivamente. Medo,
consumismo, solidariedade, perdas, discussões político-partidárias,
humanização, reorganização social, modificação de estratégias, separações
familiares, revalorização da saúde e das ciências, remanejamento de recursos, o
medo de morrer, a visão da vida desde os olhos do idoso, o papel das igrejas e
dos templos e enfim... todos os aspectos que possam ser tidos em conta, se
modificam se incluímos ou não na nossa estrutura conceitual a ideia de
impermanência. E em linhas gerais todos eles se humanizam, porque ficamos mais
humildes; porque deixamos de valorizar erradamente o não essencial.
E... Como desviar nossa vista ao profundo neste momento de
angústias?
É possível incorporar plenamente a ideia de impermanência
neste momento da vida onde a incerteza campeia livre e a vontade?
Bem... justamente, é nos momentos de crise que achamos as
melhores condições para crescer e evoluir.
“Os momentos difíceis são a antessala da evolução”.
Neste momento difícil, de fragilização, de sermos
conscientes de nossa fragilidade, fica fácil reconhecer a impermanência no como
uma definição superficial de que todo termina em algum momento, e sim de
impermanência como transformação, como continuidade, como dinâmica concatenada
de um todo quântico, que se vislumbra no envelhecimento da pele e no murchar
das rosas, assim como na semente da qual nasce a vida e a mesma vida, que se
completa no ser humano na hora da morte, para ressurgir nova e fortalecida em
filhos e netos.
Sem dúvidas, incorporar conscientemente a impermanência a
nossa intelectualidade necessita da sua apertura mental. É fácil ver a
impermanência agindo no dia a dia. É inegável. O que falta é trazê-lo a nós,
através de uma introspecção profunda, para que faça parte do mecanismo inicial
de formação de pensamentos, ideias e novas respostas.
É uma tarefa pessoal que se facilita quando permitimos que a
impermanência seja sentida e não tão pensada. E para isso assentimento e
humildade facilitam e encaminham todo esse processo por um caminho sem
resistência.
Não importa se acredita em Deus ou não; não é uma questão de
fé. É uma questão de crescimento e de evolução... de sair do patamar em que
estamos e entrar num nível de maior abrangência pela mera decisão de deixar
para atrás todo o que pesa desnecessariamente na nossa consciência, todo o que
sobrecarrega nossos subconsciente, em informações, crenças e lealdades
ilusórias, infantis, que tem nos empurrado desde sempre para agir e sentir,
para sofrer e coagir ao serviço de dar as velhas e conhecidas soluções aos
novos e relativos problemas.
Na aceitação cabal da impermanência somos pequenos e
abrangentes. Na incorporação da impermanência, enfrentamos momentos difíceis
como este, com a convicção de sermos parte de algo maior; de que algo existe
por trás do bom e do mal; algo que é misterioso e desconhecido e que
permanecerá misterioso e desconhecido.
Na impermanência não somos folhas secas ao vento. Somos
parte do ciclo da vida. Parte importante que quando faz em nome de uma consciência
superior, se harmoniza e sara a se mesmo e a seu entorno.
Este momento de pandemia pelo COVID-19 será passageiro. Mas
tem virado a vida de todos nós. Apesar de estarmos no meio de uma discussão
ideológica polarizada, que neste momento se veste de como enfrentar estes
problemas globais de saúde, mas que privilegia por um lado a vida e por outro o
dinheiro, existe a humanidade que sofre e enfrenta a doença e a vida para
seguir vivendo. Uma humanidade que quer viver, que quer superar a pandemia,
mantendo a maior quantidade possível de pessoas vivas, sem o peso do supérfluo,
do no essencial, em nome do impermanente que é a teia onde desenhamos os sonhos
e as realidades, resgatando valores e virtudes e ao mesmo tempo, tentando
perceber, aprender, fazer melhor, porque a vida vem de atrás, passa por nós e
continua nos nossos filhos, sobrinhos e netos.
Mirar a vida conscientes da impermanência que todo perneia,
nos ajuda a diminuir a angústia e ansiedade do perigo da doença e da morte. Nos
ajuda a melhor aceitar e a projetarmos ao futuro perante das perdas
materiais... e das outras, contadas em vidas de parentes, amigos, vizinhos e de
estranhos, também irmãos. Nos ajuda também, e pode ser o mais importante em
termos de legado, de herança para os nossos seres queridos, a corrigir atitudes,
comportamentos, ideias e pensamentos, baseados em emoções pequenas e egoístas,
de apego, soberba e superioridade. Assim, poderemos evitar condenar, culpar ou
julgar. Poderemos evitar as ações que agem na discórdia e na separação. Na impermanência
eliminamos aquilo que nos separa da natureza e assumimos nossa humanidade por
completo e poderemos fazer um mundo melhor e muito mais leve.
Por nossas Marias, Elisas, Lunas; por nossos Leandros e
Camilos, pelas Lorenas...
[1] Ainda
que possa haver diferenças sutis ou nem tão sutis na forma de compreender
holística, sistêmica ou alopaticamente o COVID19, não é nem de perto a nossa
intenção a de polemizar sobre estes assuntos.
[2]
Neste sentido me omito conscientemente de emitir comentários e opiniões sobre
aspetos de responsabilidade governamental e das injustiças, para atendermos ao
tema da impermanência. Desculpas!
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